domingo, 21 de novembro de 2010

Futebol no Brasil no início do Século XX - Os torcedores

"- Papai, você me dá cinco mil-réis, para eu ir hoje ao futebol?
O velho olhou o filho. Olhou a sua adolescência estúpida e forte, olhou seu mau feitio de cabeça; olhou bem aquele último fruto direto de sua carne e de seu sangue; e não se lembrou do pai. Respondeu:
- Dou, meu filho. Dentro em pouco, você terá."
Lima Barreto, Histórias e Sonhos

Esta postagem irá revelar a você, leitor, que traje seria apropriado para assistir a um "match" em 1914 - fica como orientação, para o caso de alguma viagem no tempo... Observe estas imagens, publicadas em um número de "A Cigarra":
A legenda diz: "Aspectos das arquibancadas do Velódromo, por ocasião dos últimos matches de foot-ball ali realizados pela Associação Paulista de Sports Athleticos. Fotografias tiradas especialmente para "A Cigarra"."
Senhoras, senhores, moças, rapazes, meninas e meninos, todos bem compostos, usando os imprescindíveis chapéus (até com plumas...), tendo os olhos colados na bola que não vemos na foto, mas bem podemos imaginar. Mas, como já disse em postagem anterior, não devemos nos enganar com essas imagens impecáveis divulgadas para a "boa sociedade", supondo que toda gente assistia às partidas com a mais irreprochável conduta. Aliás, havia quem não tivesse opinião das mais favoráveis sobre o novo esporte. Que se veja, sobre isso, o que escreveu Lima Barreto:
"Das coisas elegantes que as elegâncias cariocas podem fornecer ao observador imparcial, não há nenhuma tão interessante como uma partida de football.
É um espetáculo da maior delicadeza em que a alta e a baixa sociedade cariocas revelam a sua cultura e educação." (*)
É claro que o autor está sendo irônico; basta prosseguir na leitura, notando o que o escandalizado escritor afirma sobre a conduta das senhoras torcedoras:
"As senhoras que assistem, merecem então todo o nosso respeito.
Elas se entusiasmam de tal modo que esquecem todas as conveniências.
São as chamadas “torcedoras” e o que é mais apreciável nelas, é o vocabulário.
Rico no calão, veemente e colorido, o seu fraseado só pede meças ao dos humildes carroceiros do cais do porto.
Poderia dar alguns exemplos, mas tinha que os dar em sânscrito.
Em português ou mesmo em latim, eles desafiariam a honestidade: e é, por um, que me abstenho de toda e qualquer citação elucidativa." (*)
Ora, meu leitor, malgrado os desafetos, é preciso dizer que o futebol ia ganhando público, começava a tornar-se espetáculo, podia cobrar ingressos e, paulatinamente, abandonar os modos britânicos para fazer-se brasileiro.
A propósito, essa curiosa especiação, o surgimento de um jeito brasileiro de jogar, em parte pela distância física e de comunicação em relação ao centro originador do esporte, traria ainda resultados excelentes. Era inútil invectivar jogadores e torcedores. A mania de chutar bola caíra, irreversivelmente, no gosto do povo, ocupando espaço cada vez maior na imprensa e levando cada vez mais gente aos locais de prática.

(*) Lima Barreto. "Vida Urbana" (artigo publicado originalmente em CARETA, no dia 4 de outubro de 1919).


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