domingo, 22 de abril de 2012

Coisas infinitas que se dizia haver no Brasil após o Descobrimento

Quase não há quem desconheça a declaração de Pero Vaz de Caminha em sua célebre Carta: "As águas são muitas, infindas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por causa das águas que tem". Que exagero! Sim, exagero até compreensível diante da exuberância natural da terra à qual a esquadra de Cabral acabava de chegar. A despeito disso, em se tratando de exageros sobre as terras coloniais portuguesas na América, Pero Vaz de Caminha está longe de ser o recordista absoluto. Em minha opinião, o troféu dessa modalidade de megalomania deve pertencer a Pero de Magalhães Gândavo, e meus leitores já verão o porquê.
Fiz uma lista dos "infinitos" que esse autor menciona, tanto em seu Tratado da Terra do Brasil como em História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil. É verdade que o mesmo autor por vezes trata das inconveniências da terra - animais selvagens, doenças tropicais, ataques indígenas - mas isso parece pouco diante de seu entusiasmo. Entretanto, já é tempo de ver a lista.

1. Infinito pau-brasil, referindo-se à Capitania do Rio de Janeiro:
"Há nela muito infinito pau do Brasil, de que os moradores da terra fazem muito proveito." (¹)

2. Infinita caça, desta vez junto ao rio Camamu, Bahia de Todos os Santos:
"Nesse mesmo rio há muito peixe em extremo, e junto dele muita infinita caça de porcos e veados". (²)

3. Infinito algodão, ainda na Bahia:
"Esta capitania tem uma baía muito grande e formosa, há três léguas de largura, e navega-se quinze por ela dentro, tem muitas ilhas de terras muito viçosas que dão infinito algodão [...]." (³)
Reafirma isto em História da Província de Santa Cruz:
"... e na Bahia de Salvador quase outros tantos, donde se tira cada ano grande quantidade de açúcares e se dá infinito algodão [...]." (⁴)

4. Infinito peixe no rio "de Paraíba", Capitania do Espírito Santo:
"Avante desta capitania em altura de vinte e um graus está o rio de Paraíba, este é mui grande e formoso e tem infinito peixe." (⁵)

5. Fontes infinitas, justificando a existência de tantos rios no Brasil:
"As fontes que há na terra são infinitas, cujas águas fazem crescer a muitos e mui grandes rios que por esta costa, assim da banda do Norte, como do Oriente, entram no mar Oceano." (⁶)

6. E, concluindo a História da Província de Santa Cruz, obra publicada em 1576, conclui também que a terra descoberta é dotada de infinita riqueza, graças a suas pedras preciosas (que, aliás, ninguém ainda havia efetivamente descoberto):
"Do preço delas não trato aqui, porque ao presente o não pude saber, mas sei que assim destas como doutras há nesta província muitas e mui finas, e muitos metais, donde se pode conseguir infinita riqueza." (⁷)
Paremos por aqui, meus leitores, antes que esta postagem venha a ter infinitas notas de rodapé... 

(1) GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2008, p.48.
(2) Ibid., p. 39.
(3) Ibid., pp. 38 e 39.
(4) Idem. História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil, edição de 1576.
(5)Idem. Tratado da Terra do Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2008, p. 46.
(6) Idem. História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil, edição de 1576.
(7) Ibid.

Estariam Caminha e Pero de Magalhães Gândavo realmente exagerando?

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