quinta-feira, 12 de abril de 2012

Tragédias antigas e recentes provocadas por chuvas e deslizamentos de terra no Brasil

Reuni para esta postagem uma pequena coleção de relatos de tragédias decorrentes de chuvas muito intensas, seguidas por vezes de deslizamentos de terra, em vários pontos do Brasil - isso, em diferentes épocas, como se verá. Meus leitores, por suposto muito inteligentes, logo perceberão o que há em comum em todos esses episódios que, para facilitar a análise, vão listados em ordem cronológica.

a) Salvador, Bahia, 3 de maio de 1747:
"Em 3 de maio de 1747 desabou sobre o bairro do Pilar uma porção do morro a cavaleiro, e grande número de vítimas ficaram aí sepultadas." (¹)

b) Rio de Janeiro, 1756, durante o governo de Gomes Freire de Andrade, o Conde de Bobadela:
"Também lhe coube reparar ainda alguns estragos ocasionados pela inundação que, em virtude da muita chuva tivera lugar na cidade em três dias (4, 5 e 6) de abril de 1756, e que fora tal que, não só na rua do Ouvidor entrava a água pelas casas, como permitia atravessar uma canoa, com sete pessoas, desde Valongo até a igreja do Rosário." (²)

c) Novamente Salvador, na Bahia, em 1797:
"Na capital desabara o morro em 1797, calamidade que se repetia a miúdo, segundo temos visto, e que pedia providências radicais de parte do governo." (³)

d) Mais uma vez Salvador, no ano de 1813:
"Consta que em 1813, depois de grandes desabamentos da montanha sobre a cidade baixa (14 de junho), dos quais resultaram enormes perdas de edifícios e muitas mortes, o governador, conde dos Arcos, propôs a transferência da alfândega para Itapagipe. Se isso se tem então realizado, toda a cidade estaria já para esse lado, e se teriam prevenido grandes construções, que depois se fizeram, e avultadas despesas para as preservar, sustentando o morro - despesas que deviam ser feitas pelos particulares imediatamente interessados, e nunca pela província toda, à qual por essa forma pode chegar a um dia em que toda renda seja pouca para os paredões dos morros da sua cidade presidencial." (⁴)

e) São Paulo, 1º de janeiro de 1850:
"A 1º de janeiro de 1850 desabou sobre a cidade enorme tromba d'água motivando o arrombamento dos açudes e a inundação do vale do Anhangabaú. Verdadeiro dilúvio, durou seis horas, carregando a Ponte do Açu, e arrasou diversas casas causando algumas vítimas." (⁵)

f) Vila da Estrela, Província do Rio de Janeiro, em 20 de novembro de 1868:
"Caiu na Vila da Estrela (Província do Rio de Janeiro), um tufão de vento tão forte, acompanhado de copiosa chuva de pedras, que inundou quase todas as casas, descobriu telhados, derrubou morros e arvoredos e fez outros estragos, que pôs em susto os moradores do lugar. As trovoadas deste dia, as chuvas dos seguintes, fizeram grandes estragos nas linhas telegráficas que faziam comunicação com Santos, Ubatuba e São Sebastião, fortaleza de Villegaignon, Praia Vermelha e Quinta Imperial." (⁶)

g) Cidade de São Paulo, 1919 (⁷):


Agora, uma simples reflexão: ao contrário do que muita gente pensa, o estudo de tudo o que já passou não é mero desporto mental para quem tem tempo sobrando. Deveria pelo menos nos conduzir a observações sobre como tudo isso afeta a sociedade contemporânea. Vimos apenas alguns poucos exemplos de catástrofes naturais, certos de que muitíssimos outros casos poderiam aqui ser enumerados. Sim, é verdade que nem sempre podemos muita coisa contra a fúria da natureza. Mas a questão é que, muitas vezes, as catástrofes naturais são seguidas de catástrofes sociais, essas sim perfeitamente evitáveis ou, senão, passíveis de redução. Não por acaso, dos sete casos relacionados acima, seis ocorreram em algumas das maiores áreas povoadas na época. A ocupação do solo foi feita, ao longo dos séculos, de maneira nem sempre apropriada, tanto no que se refere à justa distribuição como ao tipo de uso admissível, de acordo com a topografia. Em consequência, hoje faltam moradias em quantidade e qualidade suficientes, mas faltam também políticas públicas que sejam eficazes no controle da ocupação do solo e do desmatamento das encostas (quando há, ainda algum vestígio das matas!), mesmo quando se fizer necessária uma medida impopular como é a proibição e remoção de residências em áreas de risco. Faz-se necessário reconhecer que, embora eventualmente sejam atingidas áreas de habitações de alto padrão, quase sempre quem mais sofre é quem vive em conglomerados de moradias de construção bastante precária.

Moradias edificadas em uma encosta da Serra do Mar, Litoral Norte do Estado de S. Paulo

Este é um país enorme. Não vejo, pois, razão, dentro de uma lógica de autêntica justiça social, para que seres humanos tenham de morar sob constante risco de suas vidas. Em anos recentes, aconteceram calamidades no Rio de Janeiro, em Angra dos Reis, em Petrópolis, em Nova Friburgo, e esses são apenas os lugares que, de imediato, me vêm à memória. Agora, há poucos dias, foi a vez de Teresópolis. A cada nova catástrofe, novas promessas. Fica a pergunta: Até quando?

(1) VARNHAGEN, F. A. História Geral do Brasil vol. 2, 2ª ed. Rio de Janeiro: Laemmert, 1877, p. 888.
(2) Ibid., p. 922.
(3) Ibid., p. 1078.
(4) Ibid., p. 1091.
(5) TAUNAY, Affonso de E. História da Cidade de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2004, p. 281.
(6) Folhinha de Modinhas Para o Anno Bissexto de 1868. Rio de Janeiro: Antônio Gonçalves Guimarães & Cia., pp. 165 e 166.
(7) A CIGARRA,  15 de fevereiro de 1919, p. 19.


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