domingo, 13 de maio de 2012

Moda parisiense, moda americana - uma transformação radical no vestuário feminino

"Adélia, ao contrário, era o tipo, raro então e hoje muito comum, de certos costumes de importação; era a mocinha de maneiras arrebicadas à francesa, cuidando unicamente de modas e do toucador. Nisso a filha de D. Luísa não fizera mais do que apurar a lição e exemplo de sua mãe."
                                                                                                        José de Alencar, O Tronco do Ipê

No ano de 1852 apareceu no Rio de Janeiro, editado pela Typographia Laemmert, o Novo Correio de Modas, uma publicação voltada para o público feminino e que, ao contrário do que poderia sugerir o título, não tratava apenas das últimas novidades em assuntos de vestuário, embora fosse esse o tema central - seu alcance era mais ambicioso, incluindo, como se anunciava, também "novelas, poesias, viagens, recordações históricas, anedotas e charadas".
Cento e sessenta anos depois, olhamos para essa revista e, comparando-a às atuais publicações do ramo, não podemos deixar de constatar o quanto as coisas mudaram. Exemplifiquemos.
Com o fim de garantir a estreia em grande estilo, o primeiro número trazia uma sugestão da última moda em Paris, conforme a ilustração que pode ser vista logo abaixo:
A moda parisiense, de acordo com o
primeiro número do Novo Correio de Modas,
1852. (¹)
E, deixando que fale o próprio Correio, vamos à explicação do que se trata:
"A nossa primeira estampa representa dois figurinos de senhora, qual deles o mais bonito. De Paris os recebemos, e aqui os entregamos às nossas amáveis leitoras, para que aproveitem o que julgarem mais distingué, a fim de formar o belo composto de seus elegantes toillettes."
Segue-se ainda esta ponderação:
"As modas são como a primavera; sempre que aparecem trazem uma flor nova, que se ama colher, unir ao seio e aspirar com alegria; embora tenha de em curto tempo murchar e fenecer. Não importa, é o destino das mais belas coisas deste mundo durar pouco. [....]."
Tentem os leitores imaginar o que seria uma nota dessas em alguma das revistas de moda atualmente nas bancas!
Fica, porém, entendido, que, pelo menos para as madames da alta sociedade, com recursos suficientes para gastar com "a última moda de Paris", vestir-se bem devia ser mais ou menos como se apresentam as duas personagens da ilustração, o que não caracteriza, por si, nenhuma novidade. Era esse o padrão, salvo poucas variações, em todo o mundo ocidental.
Inovações, porém, estavam a caminho... Inovações, apenas? Não, uma verdadeira revolução no vestuário feminino. E podemos ter uma ideia exata disso pelo que noticiou o número dois do Novo Correio das Modas. A despeito de ser o trecho um tanto longo, vale a pena transcrevê-lo aqui, pois meus leitores, cientes do conceito de processo histórico, não deixarão de compreender o que esta novidade veio a significar, em um prazo de pouco mais de sessenta ou setenta anos, principalmente após a Primeira Guerra Mundial. Vamos então à notícia, na qual se percebe, por parte do redator, talvez um tom algo jocoso:
"Há pouco tempo celebrou-se em Nova York uma reunião singularíssima composta exclusivamente de indivíduos do sexo feminino. A assembleia era presidida pela senhora Gove Nichols, servindo de secretaria Sara Townsend. Depois do discurso da presidente explicando o fim daquela reunião, leram-se e aprovaram-se as seguintes resoluções:

Considerando que a maneira atual de vestir as mulheres é contrária ao que demanda a saúde, a conveniência, a comodidade, o asseio e a elegância;
Considerando que a maneira atual de vestir é de origem estrangeira, e oferece graves inconvenientes a nossas compatriotas, com obrigações indignas de uma sociedade livre;
Esta assembleia resolve:
- Que se recomende e adote um traje que nos ponha a coberto do incômodo e opressão do que atualmente vestimos; que não coarcte a nossa liberdade de ação tão necessária como útil para nossa saúde e comodidade, que nos emancipe de modas e caprichos estrangeiros, e que nos releve da obrigação que até agora nos tem imposto de varrer as ruas da cidade com as saias dos vestidos.
- Que a assembleia se declare com direito de escolher o traje que esteja mais em harmonia com a decência e elegância, sem desprezar a saúde e a comodidade.
- Que se invoque em favor do novo traje, que reúne elegância à conveniência, o apoio da moda, desse ídolo que até agora nos tem feito escravas das suas extravagâncias.
- Que se exortem nossas irmãs a declarar de fato e pela palavra a sua emancipação da moda atual, odiosa e degradante, e a que adotem o trajar que mais convenha à saúde e à comodidade, e que melhor faça realçar a verdadeira formosura.
- Que se declare que o trajar que recomendamos não é nem turco, nem persa, senão americano, resultado do nosso engenho e uma prova da nossa soberana independência!"

Ora, dirão meus leitores, e que nova moda era essa, afinal, revestida de tamanha importância ao ponto de ser guindada ao posto de questão de honra nacional, soberania e independência?
A publicação que mencionamos esclarece:
"Algumas das senhoras que faziam parte da assembleia trajavam já segundo os novos princípios revolucionários, isto é, calças largas, jaquetinhas e chapéus de abas grandes!..."
Como se vê, nada que estivesse relacionado à última moda parisiense, daí o espanto que beira o escárnio por parte da editoria do Novo Correio de Modas, que ainda acrescenta:
"Resta saber se as nossas belas fluminenses estão dispostas a seguir o exemplo das suas irmãs da América do Norte!"
Interessante esta questão levantada. O fato é que, beneficiados por vivermos mais de século e meio depois desses acontecimentos, já temos a resposta. Por assim dizer, sabemos muito bem de que lado pendeu a balança. Mutatis mutandis, naturalmente.

(1) Os originais dos números 1 e 2 do Novo Correio de Modas pertencem ao acervo da Biblioteca Nacional. A imagem foi editada para facilitar a visualização.


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