terça-feira, 22 de maio de 2012

Somente muito ouro interessava: os "ribeiros de bom rendimento"

O que determinava, nas regiões mineradoras do Brasil Colonial, se uma determinada área devia ou não ser economicamente explorada, era a quantidade de metal precioso obtido em um intervalo mais ou menos curto de trabalho, conforme expressou o Padre Antonil:
"Chamam os paulistas ribeiro de bom rendimento o que dá em cada bateada duas oitavas (¹) de ouro. Porém assim como há bateadas de meia oitava e de meia pataca, assim há também bateadas de três, quatro, cinco, oito, dez, quinze, vinte e trinta oitavas, e mais; e isto não poucas vezes sucedeu na do Ribeirão, na do Ouro Preto, na de Bento Rodrigues e na do Rio das Velhas." (²)
É quase desnecessário lembrar que esse rendimento era relativo à procura de ouro em cursos d'água, o que era comum no Brasil, mas não a única situação possível;  era também relativo aos que procuravam ouro em larga escala, utilizando muitos trabalhadores, e não a faiscadores isolados.
Vejamos agora algumas razões que tornavam o alto rendimento não só desejável como até indispensável àqueles que eram considerados grandes mineradores:

a) O custo de vida nas minas era elevadíssimo, já que não se produzia quase nada localmente, de modo que os gêneros de primeira necessidade vinham de muito longe - quem quiser ter uma ideia dos preços que eram praticados na época pode ver as postagens "O Vestuário Masculino nas Minas Gerais no Início do Século XVIII" e "Os Preços dos Alimentos nas Minas de Ouro do Brasil Colonial no Início do Século XVIII". Deve-se ainda assinalar que um outro fator para o alto custo de vida (secundário, é verdade, mas nada desprezível), foi o gradual desenvolvimento, entre a população, de hábitos que valorizavam o luxo como ferramenta de afirmação social, daí ver-se que o consumo não era centrado apenas em gêneros de primeira necessidade, mas envolvia itens dispendiosos, tanto no que se refere à alimentação como para vestuário em geral.

b) Os escravos, que eram a mão de obra usual, custavam caro, de modo que só a mineração em grande quantidade justificava sua compra.

c) Os impostos cobrados pela Coroa eram bastante elevados.

d) As técnicas de prospecção e extração do ouro eram rudimentares, portanto o ouro devia ser abundante, já que o desperdício acabaria, de qualquer maneira, acontecendo.

A exploração aurífera no Brasil da primeira metade do Século XIX, segundo a 
visão de M. Rugendas (³)

Apesar disso, ou até por isso mesmo, o próprio Padre Antonil afirmou que nem sempre os bons lugares para mineração, quando localizados, eram, como mandava a legislação, comunicados às autoridades competentes. Por quê? Ora, porque cumprindo a lei, a área passava ao controle da Coroa, que efetuava a repartição do terreno nas proporções estipuladas pela lei, com partes destinadas à própria Coroa e ao descobridor da lavra, indo o restante a leilão entre os mineradores interessados. Entende-se, pois, porque é que, não raro, quem tinha a boa sorte de encontrar um local favorável à lavra, guardava silêncio sobre seus achados.
Um pouco mais de um século após a publicação do livro de Antonil, a mineração nas Gerais já estava em franca decadência. Passando por lá, Saint-Hilaire observou:
"Depois de termos andando cerca de duas léguas, alcançamos um vale muito agradável onde corre um riozinho no qual avistamos, sucessivamente, duas fazendas, a da Rancharia e a do Brumado. Devem ter sido importantes outrora mas parecem-me hoje em muito mau estado. Não me foi difícil adivinhar a causa de sua decadência, quando vi pela primeira vez montões de cascalho às margens do rio.
[...].
Montões de pedregulhos atestam o trabalho dos mineradores." (⁴)
  
(1) A oitava equivalia a quase 3,6 gramas.
(2) ANTONIL, André João (ANDREONI, Giovanni Antonio). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1711, p. 134.
(3) RUGENDAS, Moritz. Malerische Reise in Brasilien. Paris: Engelmann, 1835. O original pertence à Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(4) SAINT-HILAIRE, A. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, pp. 33 e 34.


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