terça-feira, 9 de outubro de 2012

O que se transportava nas ferrovias paulistas no Século XIX

Com um pouco de imaginação, leitores, pode-se visualizar o que era uma estação ferroviária nos princípios da implantação de ferrovias em São Paulo, lá pelos anos sessenta ou setenta do século XIX. A novidade das locomotivas a vapor atraía gente curiosa, mesmo quem, talvez, nunca viesse a fazer uma viagem de trem. É bom lembrar que, nesses tempos, grandes viagens eram para poucos, de modo que a maioria das pessoas passava a vida inteira em sua localidade de origem, e o que se sabia sobre outros lugares ou era por leituras ou, simplesmente, por ouvir contar.
Voltemos, porém, ao caso das estações ferroviárias: as maiores tinham, por suposto, armazéns onde eram depositadas as mercadorias que aguardavam transporte, separadamente do embarque de passageiros. Já as pequenas... As pequenas, em locais de embarque das safras de café e outros gêneros, eram voltadas principalmente ao transporte de mercadorias, de modo que eram construídas o mais próximo possível das grandes fazendas produtoras, para facilitar o embarque, evidentemente. Para os passageiros que se aventuravam a viagens de trem, o deslocamento ocorria a velocidades que, para a época, eram consideradas estonteantes - uns quarenta ou cinquenta quilômetros por hora, muito mais do que se podia fazer em lombo de muares ou em carros de bois.
Sucede que, embora o café predominasse (em direção ao porto de Santos), havia uma razoável variedade de mercadorias que se transportava nos dois sentidos (porto de Santos - Capital -Interior, ou Interior - Capital - porto de Santos). Podemos ter uma ideia disso se examinarmos as tabelas de preços fixadas para o transporte de carga, o que nos mostrará que, pelas circunstâncias, as estações ferroviárias podiam ser locais movimentados, barulhentos e com aromas bem característicos.
Vejamos, então:
Em 1866 o Governo da Província fixou as seguintes tarifas (¹), que deveriam vigorar na Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, e que ora nos interessam mais pela descrição das mercadorias que propriamente pelos valores estipulados (a lista é longa, meus leitores, mas tenham a paciência de lê-la até o final, pois é a melhor maneira que se tem para visualizar, mentalmente, a realidade das ferrovias paulistas em seus primórdios); a mesma tabela serviu, depois, de modelo para outras ferrovias:

- Para "peixe fresco, ostras, caça, verduras e frutas [...] por tonelada métrica" seriam cobrados 205$200 (duzentos e cinco mil e duzentos réis);
- Para mercadorias de exportação, como "café, açúcar, algodão, fumo, couros secos e outros semelhantes, aguardente e outros espíritos, se forem fabricados no país, por tonelada métrica": 30$720;
- Para "legumes, farinha de mandioca ou de milho, arroz, feijão, milho e raízes alimentícias, couros salgados, cobre, chumbo, ferro e outros metais não trabalhados, ferragens em geral destinadas a construções, máquinas e utensílios para a agricultura, gêneros alimentícios de primeira necessidade importados, como sal, farinha de trigo e peixe salgado, e os produzidos no país, como queijos, toucinho, carne e outros, por tonelada métrica": 21$700 (²);
- Para "louças [...] e os vidros ordinários, querosene, aguarrás, e outros espíritos de importação, por tonelada métrica": 46$140;
- Para "objetos de grande volume e pouco peso, como mobílias, caixas com chapéus e outros semelhantes de importação e exportação, por tonelada métrica": 93$600;
- Para "pólvora em barris, por carro especial": 180$000;
- Para "pólvora em latas hermeticamente fechadas e outras substâncias inflamáveis ou explosivas, como fósforos, petróleo, vitríolo e fogos de artifício, por tonelada métrica": 130$800;
- Para "objetos frágeis e de grande responsabilidade, como pianos, espelhos, vidros e outros, por tonelada métrica": 112$000.

Agora, senhores leitores, a lista torna-se, digamos, mais movimentada:

- Para "bois, vacas, touros, cavalos, bestas e jumentos, por cabeça": 8$000;
- Para "bezerros, carneiros, cabritos, porcos, cães e outros quadrúpedes semelhantes": 1$800;
- Para "galos, frangos, galinhas, marrecos e outras aves do mesmo tamanho ou menores, por dúzia": 1$000;
- Para "perus, gansos, patos e outras aves do mesmo tamanho ou maiores, por cabeça": $280.

Entrava-se, a seguir, na lista dos materiais de construção e de uso rural, além daqueles que seriam empregados na construção de novas ferrovias. Um item, aqui, chama a atenção:

- Para "capim, estrumes e outras substâncias úteis à lavoura e de valor insignificante em relação ao volume, por carro": 22$000.

Finalmente:

- Para "caixão com defunto, transportado em compartimento isolado, nos trens de viajantes, cada um": 50$800.

Apenas como curiosidade, as tarifas para passageiros (vivos, nesse caso), eram as seguintes:

- Para a primeira classe: 12$000;
- Para a segunda classe: 10$000;
- Para a terceira classe: 5$000.

Então, todos prontos para a viagem?

(1) PINTO, Adolpho Augusto. História da Viação Pública de São Paulo. São Paulo: Vanorden, 1903, pp. 155 - 157.
(2) Observem aqui os leitores dois aspectos relevantes: primeiro, a preocupação em tornar acessíveis os custos do transporte de gêneros de exportação, bem como os de consumo interno de maior necessidade; segundo, a lista de importados de primeira necessidade revela algo sobre os hábitos alimentares da época (peixe salgado...), além de mostrar a dependência das importações de trigo, ainda hoje um problema no Brasil.


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