domingo, 28 de outubro de 2012

Sobre o relacionamento de piratas, corsários e contrabandistas com os indígenas da América

Enquanto portugueses e indígenas se enfrentavam, algumas décadas após o "descobrimento", em vários pontos do litoral brasileiro,  contrabandistas, piratas e corsários (¹) de várias nacionalidades estabeleciam bom relacionamento com os nativos, de modo a conseguirem, mediante escambo, adquirir e embarcar mercadorias que, depois, eram vendidas na Europa. Impõe-se, portanto, a questão: por que franceses, ingleses, holandeses, conseguiam, quase sempre pacificamente, o que os portugueses tinham dificuldade em obter mesmo pela força?
Algumas razões destacam-se, e dentre elas: 

a) Muitos portugueses viam-se como conquistadores das terras da América e, portanto, como legítimos proprietários das riquezas que contivessem, de modo que se julgavam no direito de extrair do Brasil o que lhes interessava, mesmo que isso significasse danificar o território, coisa que provocava a ira dos ameríndios. Sobre isso, escreveu Frei Vicente do Salvador: 
"... e deste mesmo modo se hão os povoadores, os quais por mais arraigados que na terra estejam, e mais ricos que sejam, tudo pretendem levar a Portugal [...]; porque tudo querem para lá, e isto não têm só os que de lá vieram, mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem, e a deixarem destruída." (²)

b) Os europeus não-portugueses vinham ao Brasil, quase sempre, apenas para fazer comércio e "fazer aguada" (refazer o suprimento de água de suas embarcações), não ficando muito tempo na terra e, raramente, tentando estabelecer colônias, o que fazia com que os povos indígenas não os vissem como uma ameaça quanto ao uso e ocupação do território;

c) Por não se estabelecerem como ocupantes do território, os não-portugueses também não tentavam escravizar os indígenas, o que chega a ser, nesse assunto, um ponto decisivo;

d) Como comerciantes habilidosos que eram, os contrabandistas, piratas e corsários tudo faziam para agradar aos chefes indígenas, evitando, simultaneamente, qualquer ato que pudesse descontentá-los;

e) Eram também perspicazes em compreender a lógica tribal, deixando claro que se consideravam inimigos dos portugueses e, por isso mesmo, amigos dos índios (Hans Staden, por exemplo, enfrentou sérias dificuldades decorrentes desse fato);

f) Finalmente, como o relacionamento dos não portugueses com índios era esporádico, não eram vistos, de imediato, como uma ameaça aos valores e à cultura dos povos nativos da América, à medida que não tentavam impor uma nova estrutura social, novos usos e costumes ou proibir as práticas já há muito arraigadas. Fica aqui, pois, uma ressalva importantíssima: na maioria das ocasiões em que esses europeus não portugueses tentaram fixar-se em terras do Brasil, os resultados foram muito semelhantes aos obtidos por colonizadores lusitanos, ou seja,  resistência indígena e confrontos sangrentos.

(1) Há quem não veja diferença alguma entre um pirata e um corsário; entretanto, aceita-se, tradicionalmente que um pirata era um ladrão do mar que agia por conta própria, enquanto que um corsário era também um ladrão do mar, mas a serviço de um determinado Estado, roubando os preciosos carregamentos que portugueses e espanhóis levavam da América, para entregarem aos soberanos que os haviam contratado.
(2) SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. c. 1627.


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