domingo, 23 de dezembro de 2012

Cadeirinhas de arruar - Parte 3

O trânsito não muito seguro de seges, coches, carruagens e cadeirinhas de arruar


Depois das duas postagens anteriores, alguns de meus leitores podem ter considerado que redes ou cadeirinhas de arruar eram meios de transporte absolutamente seguros, ainda que muito lentos. Combinavam bem com o cenário dos tempos coloniais, com as ruas sossegadas, com a pouca pressa de quem caminhava. Enfim, eram parte de um estilo de vida algo bucólico, que se perdeu com a aceleração trazida pelos tempos da industrialização. Certo?
Talvez não. Mesmo quem se fazia transportar em cadeirinha podia envolver-se em um acidente. Neste caso, a Literatura pode ser muito útil à História.
Há um pequeno episódio narrado por Machado de Assis em Quincas Borba no qual as cadeirinhas fazem parte do cenário, mas uma de suas usuárias acaba sendo tragicamente esmagada pelas rodas de uma sege e pelas patas de duas mulas que a conduziam. Passou-se durante o chamado Período Joanino. É hora de ler:
"Foi no Rio de Janeiro [...], defronte da Capela Imperial, que era então Real, em dia de grande festa; minha avó saiu, atravessou o adro, para ir ter à cadeirinha, que a esperava no Largo do Paço. Gente como formiga. O povo queria ver entrar as grandes senhoras nas suas ricas traquitanas. No momento em que minha avó saía do adro para ir à cadeirinha, um pouco distante, aconteceu espantar-se uma das bestas de uma sege; a besta disparou, a outra imitou-a, confusão, tumulto, minha avó caiu, e tanto as mulas como a sege passaram-lhe por cima. Foi levada em braços para uma botica da Rua Direita, veio um sangrador, mas era tarde; tinha a cabeça rachada, uma perna e o ombro partidos, era toda sangue; expirou minutos depois."
Naturalmente o incidente contado por Machado devia ter um mínimo de verossimilhança, ou não entraria em Quincas Borba. Mas, o que nos interessa, mesmo, é verificar que, até nos dias das cadeirinhas, seges, coches e carruagens, acidentes graves podiam ocorrer. Talvez o que diferencie o mundo de hoje e o de antigamente não seja exatamente se tais fatos ocorrem, mas com que frequência.


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