domingo, 27 de janeiro de 2013

Um jardim em São Paulo (quando quase ninguém queria ter um)

Digam lá, senhores leitores, quais são as flores que mais gostam de ter em seus jardins? Tenho preferência por amores-perfeitos, prímulas, íris germânica. Gosto muito, também da lavanda, sem, por suposto, deixar de lado as orquídeas. Meus pais, que tinham ótimos conhecimentos de jardinagem, apreciavam as roseiras, mas eu não tenho grande afeto por plantas que têm espinhos.
Pois houve um tempo, em São Paulo (se devemos acreditar em Pedro Taques de Almeida Paes Leme), em que apenas um único indivíduo dava-se ao trabalho de cultivar um jardim. Seus contemporâneos tinham outras preocupações, que, aliás, já foram alvo de postagens neste blog. Lemos na Nobiliarchia Paulistana, relativamente a João de Toledo Castelhanos, um paulista muito devoto, que sabemos ter sido batizado a 5 de maio de 1642:
"Vivia no retiro de uma quinta, vulgarmente chamada chácara, situada no alto plano que faz o rio Tamanduateí, unido já com a ribeira Anhangabaú (por detrás do mosteiro dos monges do patriarca São Bento em tiro de peça) da campina do sítio da capela de Nossa Senhora da Luz de Guaré. Nesta quinta se recreava com a cultura de várias flores de um jardim, que era o total emprego dos seus cuidados (único até aquele tempo, em que os moradores de São Paulo só tinham por interesse ou as minas de ouro ou as grandes searas de trigo, com a abundância da criação de porcos, de que faziam provimentos para as cidades do Rio de Janeiro e Bahia de Todos os Santos). Com essas flores fazia adornar os altares dos templos, principalmente de Nossa Senhora do Carmo, de cuja terceira ordem era irmão professo."
Sabendo a data do batismo desta singular personagem, podemos considerar que seu não menos singular jardim deve ter florescido no século XVII, talvez até princípios do XVIII. Era grande o contraste: um plantava um jardim para adornar altares, todos os demais buscavam ouro, cultivavam trigo e criavam porcos. Verdadeiramente excêntrico, o nosso homem...
No século XIX, ao passar pela segunda vez por São Paulo, Auguste de Saint-Hilaire pôde observar um panorama bem diferente, em se tratando de jardins. Anotou ele:
"Todas as plantas de ornamentação, que embelezavam nossos antigos jardins (¹), são cultivadas com sucesso nos arrabaldes da cidade. Pelos fins de novembro florescem os cravos, flores favoritas dos paulistas, os botões d'ouro, as papoulas, as ervilhas de cheiro, as escabiosas, as saudades, as cravinas, etc. Os morangos, de gosto tão agradável como os da França e da Alemanha, abundam em todos os jardins." (²)
Talvez o Sr. João de Toledo Castelhanos pudesse estar mais à vontade se houvesse nascido um século mais tarde. Ou talvez tivesse, em seus dias, uma secreta alegria em ser o único a ter um jardim. Não podemos ter certeza, é claro, mas também não podemos deixar de admirar esse verdadeiro patrono dos apreciadores da jardinagem em São Paulo.
 
(1) Na França, por suposto.
(2) SAINT-HILAIRE, A. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 199. 


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