domingo, 7 de julho de 2013

Um passeio de rede em Lisboa

Eis aqui uma história de gente que colonizou São Paulo, conforme relato que aparece na Nobiliarchia Paulistana, de Pedro Taques de Almeida Paes Leme. Nunca encontrei, é fato, referência a ela em qualquer outra fonte - mas, por ser uma aventura verdadeiramente deliciosa, resolvi tratar dela aqui, esperando que, caso algum de meus leitores conheça sobre ela qualquer outra informação, coloque um comentário logo aí abaixo desta postagem.
Conta Pedro Taques que "Manoel João Branco no ano de 1624 foi administrador geral das minas de São Paulo, provido por Diogo de Mendonça Furtado, governador-geral do Estado do Brasil, como se vê no arquivo da Câmara de São Paulo, Caderno de Vereanças, Título 1625, folha 16. Adquiriu um grande cabedal extraído das minas de ouro de São Paulo".
Contraditório esse Pedro Taques de Almeida Paes Leme - cita, estritamente, a fonte da titulação de Manoel João Branco, para depois dizer que ficara muito rico com o que extraíra das minas de São Paulo. Ora, isso simplesmente não podia ser. As minas de São Paulo rendiam magras recompensas a quem insistia em explorá-las. A menos, é claro, se considerarmos que, na pequenina São Paulo do século XVII, a pobreza era tal que um minerador modesto podia ser tido como um homem rico.
Continuemos.
Envelhecendo, o dito Manoel João Branco meteu na cabeça a ideia de que não podia morrer sem ver o rei. A realização de seu desejo, no entanto, significava empreender penosa viagem, à qual o nosso homem não se furtou, tal era a intensidade de seu propósito. Pois foi atravessar o Atlântico, para o que teve que esperar embarcação disponível e bem distante de São Paulo, já que, em seus dias, as viagens eram limitadas à época do ano mais favorável à navegação, fugindo das calmarias assim como das tempestades.
Seguimos com a narrativa de Pedro Taques, na qual somos informados de que o viajante chegou vivo a Lisboa:
"Estando já em avançados anos entrou nos pensamentos de querer conhecer ao seu rei e natural senhor. Com efeito, pôs em execução esta nobre ideia. Foi embarcar à Bahia, onde mandou fazer umas bolas de ouro, palhetas e aro, e também um pequeno cacho de bananas, tudo de ouro, e chegando à Corte, beijou a mão a Sua Majestade, o senhor rei D. Afonso VI, a quem com sinceridade de pureza de ânimo ofereceu o presente, e mereceu a honra de lhe ser aceito. Apareceu com as mesmas cãs brancas da cabeça, e El-Rei lhe fez um grande agasalhado, vendo na sua presença um vassalo que de tão longe ia procurar a honra de beijar-lhe a mão."
Ora, ora, e onde está o fato tão incomum nessa história?
Tenham paciência, senhores leitores, que já verão do que se trata.
Manoel João Branco tinha um problema: morria de medo de carruagens. Não de ser atropelado por uma delas, mas de nelas viajar. Então, como locomover-se na Corte? Com grande "engenho e arte", achou solução para seu problema. Continua Pedro Taques:
"Era tão velho que temendo os balanços de uma carruagem, levou de São Paulo ou da Bahia uma rede de fio de algodão e lã de várias cores, que ainda hoje se tecem na Capitania de São Paulo com perfeição, nela andava embarcado na Corte de Lisboa, e em lugar de mariolas, carregavam a rede mulatos calçados, seus escravos, que já os conduziu para este ministério. Seria objeto de grande riso esta nova carruagem em Lisboa, e na verdade só a Providência o faria escapar das pedradas dos rapazes da Cotovia."
Quem esperaria outra coisa?


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