domingo, 18 de agosto de 2013

Causas do atraso da agricultura brasileira no Século XIX - Parte 1

Investimentos? Só em escravos!


Era abril de 1822 quando Auguste de Saint-Hilaire, naturalista francês em viagem pelo Brasil, escreveu:
"Quanto mais me aproximo da Capitania do Rio de Janeiro mais consideráveis se tornam as plantações (¹). Várias existem também muito importantes, perto da Vila de Resende. Proprietários desta redondeza possuem 40, 60, 80 e até 100 mil pés de café. Pelo preço do gênero devem estes fazendeiros ganhar somas enormes. Perguntei ao francês, a que me referi ontem, em que empregavam o dinheiro. "O Sr. pode ver, respondeu-me, que não é construindo boas casas e mobiliando-as. Comem arroz e feijão. Vestuário também lhes custa pouco, nada gastam também com a educação dos filhos que se entorpecem na ignorância, são inteiramente alheios aos prazeres da convivência, mas é o café o que lhes traz dinheiro (²). Não se pode colher café senão com negros; é pois comprando negros que gastam todas as rendas e o aumento da fortuna se presta muito mais para lhes satisfazer a vaidade do que lhes aumentar o conforto."" (³)
Escravos trabalhando acorrentados, de acordo
com 
desenho aquarelado de Thomas Ender (⁶)
A mentalidade do fazendeiro típico era, deduz-se, a seguinte: "Se tenho mais escravos, planto mais café (ou algodão, ou cana, ou ainda qualquer outra coisa); plantando mais, posso colher mais, e meus ganhos serão maiores. Se ganhar mais... Se ganhar mais, compro mais escravos, porque assim posso plantar mais, colher mais..." Repetia-se o ciclo, indefinidamente, até que más colheitas pusessem tudo a perder, o que não era assim tão incomum.
Não, meus leitores, não passava pela cabeça, pelo menos da maioria desses escravocratas, que fosse necessário aplicar parte dos lucros em modernizar as práticas agrícolas. Bastava, supunha-se, aumentar o número de braços na lavoura - o que significava, na época, comprar mais escravos - e aumentar a área cultivada. O resto viria "naturalmente".
Mas não vinha. Escravos, como se sabe, eram seres humanos. Fugiam, morriam... O resultado disso é que os fazendeiros viam-se sempre envolvidos em comprar, geralmente a crédito, mais escravos, ao menos para repor os que haviam "perdido", pagando depois, quando vendessem a safra. Isso explicava, em parte, a lucratividade bem menor do que a que poderia, de fato, ser obtida.
O pior, no entanto, é que a visão curta desses fazendeiros continuou a vigorar pelos anos afora. A independência política não trouxe, para o Brasil, qualquer mudança significativa no plano econômico. E, tanto isso é verdade, que três décadas mais tarde, no primeiro número do jornal O Agricultor Brasileiro (⁴), datado de novembro de 1853, constava a seguinte afirmação:
"Presentemente o fim do agricultor é obter lucros das suas colheitas para comprar escravos que substituam os que lhe morrem todos os anos, para que com eles possa continuar a lavrar as suas terras [...]." (⁵)

(1) Antes de espalhar-se pelo chamado "Oeste Paulista" na segunda metade do Século XIX, o café foi bastante cultivado no Rio de Janeiro, particularmente no Vale do Paraíba, de onde passou a São Paulo, ainda no mesmo Vale do Paraíba.
(2) Cafeicultores da segunda metade do Século XIX adotariam um estilo de vida radicalmente diverso deste descrito por Saint-Hilaire em 1822.
(3) SAINT-HILAIRE, A. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, pp. 119 e 120.
(4) O Agricultor Brasileiro era um jornal voltado à discussão de questões relacionadas à lavoura, como pretexto para divulgar máquinas e equipamentos agrícolas vendidos pela Casa Nathaniel Sands & C., instalada no Rio de Janeiro à Rua da Alfândega, nº 20, que editava a publicação.
(5) O AGRICULTOR BRASILEIRO, Ano I, nº 1, p. 6.
(6) O original pertence à Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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