domingo, 8 de dezembro de 2013

Perucas e penteados exagerados do Século XVIII

O pequeno Wolfgang A. Mozart, ao visitar Paris em 1763 para concertos com o pai e a irmã, observou, com espanto, e a despeito de sua pouca idade (¹), que a moda para cabelos era lá, então, sobremodo exagerada. Em carta à mãe, descreveu os penteados das parisienses como uma verdadeira indecência.
Seria isso coisa de menino educado em costumes muito severos? Talvez não.
Alguns exemplos de cabeleiras exageradas
do Século XVIII (⁵)
No Século XVIII estava no auge a moda de perucas (²) e arranjos exóticos para cabelos. Mesmo gente séria e importante não ousava aparecer para compromissos públicos sem passar um bom tempo sob os cuidados de um cabeleireiro experiente. O próprio Mozart acabou por adotar essa prática quando, já adulto, deixou definitivamente a sua Salzburg, para residir em Viena.
No Brasil, as perucas também andavam na moda, e mesmo oficiais militares as usavam - pode-se dizer que se esperava que o fizessem, ainda que com alguma moderação. Não quer dizer, no entanto, que não se ouvissem vozes discordantes. Nuno Marques Pereira, em O Peregrino da América, observou:
"E vede agora, como poderão estes tais ser ligeiros soldados e destros guerreiros, vivendo com tantos melindres e resguardos. Porém nasce esta desgraça, sem dúvida, por andarem os portugueses cegos e presos pelos cabelos, pelas mãos das mais nações. A este respeito vos contarei o que vi, sendo bem rapaz, trazerem as mulheres por enfeites e toucados nas cabeças, e vinha a ser que se usava naqueles tempos uma moda que chamavam patas, feitas também de cabelos, porém presos em arames. Foi crescendo tanto a demasiada moda e com tão supérfluo custo, que havia patas que custavam vinte, trinta, quarenta e cinquenta mil réis, e tão disformes que, para poder entrar uma mulher com este enfeite nas igrejas, era necessário que estivessem as portas desimpedidas de gente. Vieram depois a chamar a este uso desenganos. Correram os anos, até que se desenganaram de sorte (com serem mulheres) que lançaram as patas fora de si, e nem por isso ficaram feias." (³)
Não contente em criticar os penteados das mulheres, passou o mesmo autor a fazer suas considerações sobre as perucas usadas pelos homens:
Mais alguns exemplos, leitores. Qual é o favorito? (⁶)
"Assim também é justo que suceda agora aos homens com a presente moda, ou abuso das cabeleiras, de que falamos. No princípio chamavam aos cabelos postiços, cabeleiras; agora chamam-lhes perucas, devendo chamar-lhes Speluncas, que em latim quer dizer cova de ladrões, porque com elas roubam os estrangeiros o dinheiro daqueles que lhas compram para se enfeitarem. Melhor dissera para se sujarem, porque antes destas modas estrangeiras, vestiam-se os portugueses para andarem limpos, e hoje vestem-se para se sujarem. E isto com tanto custo e dispêndio, que bem se poderia escusar, como dantes se escusava, e nem por isso deixavam de ser mui prezados, estimados e talvez que mais livres de tantas ofensas contra Deus." (⁴)
Difícil é crer que apenas a mania das perucas pudesse acarretar a ruína econômica de uma nação...
Como todas as modas, as perucas "obrigatórias" saíram de cena e, curiosamente, para não mais voltar, embora ainda tenham permanecido em uso em uns poucos lugares para fins bastante restritos, que mais parecem um incentivo ao turismo aliado a um certo gosto pelas tradições. Bem, ainda vigoram, por suposto, em filmes de época e, vez por outra, no carnaval. Já os penteados exóticos, ao menos para mulheres, fazem uma ou outra aparição de vez em quando, sem terem, para bem ou para mal, as dimensões daqueles do Século XVIII.

(1) Nasceu em 1756.
(2) Não se discutem aqui, evidentemente, as perucas usadas por pessoas que não têm cabelos ou que desejam uma aparência diferente de vez em quando. Fala-se das perucas enormes, geralmente brancas para homens e às vezes coloridas de rosa, azul, lilás, etc., para mulheres, que estavam em uso no Século XVIII. As ilustrações desta postagem dão ótimos exemplos.
(3) PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio Narrativo do Peregrino da América. Lisboa: Oficina de Manoel Fernandes da Costa, 1731, pp. 434 e 435.
(4) Ibid., p. 435.
(5) RIMMEL, Eugene. The Book of Perfumes 5ª ed. London: Chapman and Hall, 1867, p. 220.
(6) Ibid., p. 221.


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