segunda-feira, 9 de junho de 2014

Uso de mantilha no Vale do Paraíba na segunda metade do Século XIX

Nos tempos coloniais era costume, em muitos lugares do Brasil, que as mulheres consideradas "honestas" apenas saíssem em público se estivessem quase completamente cobertas por mantilhas ou biocos. A tradição, provavelmente vinda de Espanha e com origem mourisca, perdurou, e, já no começo do Século XIX, Saint-Hilaire, naturalista francês, observou com horror que, em vários lugares, era ainda assim que as mulheres se apresentavam, principalmente quando iam às igrejas.
Velhos costumes têm, no entanto, dificuldade em sair de cena.
No início da década de sessenta do Século XIX o tal costume ainda tinha lugar em áreas do Vale do Paraíba, que era, na época, região econômica importante por sua produção de café. Augusto-Emílio Zaluar observou-o em Lorena e Taubaté, na Província de São Paulo.
Sobre a conduta para com as visitas, notou em Lorena que "...as senhoras raramente aparecem na sala, onde os homens somente recebem as visitas e conversam para entreter o tempo. Esses costumes ir-se-ão perdendo pouco a pouco (¹), como já vão desaparecendo as mantilhas (²), que apenas figuram hoje para ocultar as rugas de alguma matrona sexagenária, ou são usadas pela gente das classes menos abastadas." (³)
Escreveu depois sobre Taubaté:
"Em Taubaté ainda se usa muito de mantilhas, não só na classe baixa como entre algumas senhoras mais distintas.
Este gênero de trajo e o aspecto sombrio da cidade concorrem para dar à povoação um certo cunho de vetustez, que faz lembrar algumas cidades espanholas e os costumes severos dos séculos anteriores." (⁴)
No caso de Taubaté, ao contrário do que observara em Lorena, o uso de mantilha não se restringia às idosas e às mulheres de baixo estrato social.
Não é preciso dizer que mantilhas e biocos perderam sua utilidade há muito tempo. Apenas fica a questão: As razões que impunham seu uso desapareceram ou ainda passeiam por aí, sob outros disfarces?

(1) Nisso, estava certíssimo.
(2) Desapareceram, mas muito tarde.
(3) ZALUAR, Augusto-Emílio. Peregrinação Pela Província de São Paulo 1860 - 1861. Rio de Janeiro/Paris: Garnier, 1862, p. 109.
(4) Ibid., p. 158.


Veja também:

2 comentários:

  1. Excelente reflexão. Ainda existem "mantilhas", as restrições e julgamentos morais, só que sob outros nomes. E as próprias mulheres são as grandes vítimas e, muitas vezes, também as grandes responsáveis por elas.
    Abraço, uma doce semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    Respostas
    1. Essa é a questão mais pesada: o fato de que conscientemente ou não, as próprias mulheres, ainda que vítimas, acabam por perpetuar velhos modelos (nem sempre de vestuário :-))))) ) que lhes são desfavoráveis. E, sendo educadas para isso, muitas nem se dão conta do que fazem, achando tudo a coisa mais natural do mundo. Pior ainda, há quem seja bem consciente, mas, por conveniência, continue a "seguir a multidão".
      No final, isso nem é apenas um problema relacionado à famosa "condição feminina". É um problema da humanidade, mesmo.

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