sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Notícias (boas ou ruins) nem sempre viajaram depressa

Um ditado popular antigo afirmava que boas notícias andavam a pé; já as ruins, viajavam a cavalo. Coisa proveniente do tempo em que o meio de transporte terrestre mais rápido para as novidades era mesmo um bom equino, desconsiderando-se as fofocas que andavam de boca em boca. Ora, a despeito desse ditado popular, é possível constatar que, no passado, as notícias, quer fossem agradáveis, quer muito más, ou ainda neutras, viajavam com lentidão que deixaria a gente do Século XXI desesperada. Senão, vejamos:

1. A Restauração Portuguesa, pondo fim à União Ibérica, ocorreu em 1º de dezembro de 1640. A notícia desse acontecimento somente chegou à Cidade da Bahia (Salvador), primeira capital do Brasil, em 15 de fevereiro de 1641.

2. A Revolução Liberal do Porto, que começou em 24 de agosto de 1820, só foi noticiada no Rio de Janeiro (onde estava o rei D. João VI) em outubro do mesmo ano.

3. A Revolução de Julho, ocorrida na França entre 27 e 29 de julho de 1830, pôs fim à chamada Restauração Francesa e ao governo de Carlos X; a notícia desses acontecimentos chegou ao Rio de Janeiro no mês de setembro seguinte, mais precisamente no dia 14.

4. A abdicação de D. Pedro I ocorreu no dia 7 de abril de 1831; porém, afirma-se que a notícia desse fato somente alcançou a então Província do Maranhão no dia 14 de maio do mesmo ano, ou seja, um mês e uma semana depois. Mais demorada ainda foi a chegada da mesma notícia à Província do Pará: ocorreu em 22 de maio de 1831, mediante informação levada por uma embarcação americana que lá aportou.

5. O diplomata brasileiro José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco, faleceu no Rio de Janeiro em 10 de fevereiro de 1912, mas esse fato só alcançaria Corumbá três dias mais tarde.

Penso que esses exemplos já são suficientes.
Apenas para concluir, vale ressaltar o fato de que, até bem adiantado o Século XIX, uma notícia corria o risco de viajar mais depressa da Europa ao Brasil do que desde o Rio de Janeiro a alguma das capitais de províncias do Norte ou Nordeste do País, dependendo, inclusive, de que eventualmente uma embarcação de bandeira norte-americana se encarregasse de levar as novidades ao fazer a viagem da América do Sul até a costa leste dos Estados Unidos. Esse terrível problema somente começou a ser sanado na década de setenta do Século XIX, com as primeiras ligações telegráficas via cabo submarino com províncias do Nordeste brasileiro e com a Europa. A partir daí, as notícias começaram a chegar mais rapidamente à imprensa da capital do Brasil, não mais dependendo da vinda de jornais europeus com semanas de atraso. O mesmo aconteceu, é claro, no sentido inverso.
Pode ser, no entanto, que alguém recordasse com melancolia dos velhos tempos. Sim, senhores leitores, é, ao que parece, a ideia que expressou Machado de Assis, escrevendo em sua coluna "A Semana", na Gazeta de Notícias, edição de 11 de novembro de 1894:
"Oh! a sensação do tempo! A vista dos soldados que entravam e saíam de semana em semana, de mês em mês, a ânsia das notícias, a leitura dos feitos heroicos, trazidos de repente por um paquete ou um transporte de guerra... Não tínhamos ainda este cabo telegráfico, instrumento destinado a amesquinhar tudo, a dividir as novidades em talhadas finas, poucas e breves. Naquele tempo as batalhas vinham por inteiro, com as bandeiras tomadas, os mortos e feridos, número de prisioneiros, nomes dos heróis do dia, as próprias partes oficiais. Uma vida intensa de cinco anos. Já lá vai um quarto de século. Os que ainda mamavam quando Osório ganhava a grande batalha, podem aplaudi-lo amanhã revivido no bronze, mas não terão o sentimento exato daqueles dias..."
Machado estava a referir-se ao modo pelo qual as notícias iam e vinham na década de sessenta do Século XIX, durante a Guerra do Paraguai (*). E tinha saudades, ainda que com uma ponta de ironia.

(*) Guerra contra la Triple Alianza, na visão paraguaia.

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2 comentários:

  1. Eu, que venho vivendo desde a primeira metade do século XX, tempo em que ainda demoravam muito a chegarem à Fortaleza, as cartas de um irmão que morava no Rio de Janeiro, fico a imaginar a ansiedade de minha bisavó que teve um filho na Guerra do Paraguai...rsrsr...É verdade:Israel Bezerra, foi o primeiro cearense a se apresentar como "Voluntário da Pátria" (e voltou, "vivinho da silva"). Hoje,é nome de rua,considerado "herói". Mamãe tinha muito "orgulho" do tio "famoso", que era irmão do pai dela.Tenho "raízes" na História...

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    1. Hmmm, mas que história interessante!!!!!!!!!!!!! E, além de tudo, um Voluntário da Pátria que foi voluntário de verdade... Quando é mesmo que sai o livro com a história da sua família?

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