sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Queijadinhas para o padre José

É sabido que, em alguns lugares, durante o Período Colonial, os padres jesuítas não eram muito estimados pelos colonos, ocorrendo não poucos entreveros com os religiosos por questões ligadas à escravização dos índios. De um lado, os colonos forçavam os indígenas ao trabalho, alegando que precisavam da mão de obra; de outro, os padres insistiam que o cativeiro era injusto e impedia a catequese. Rebatendo, diziam os colonos que, nas reduções, os jesuítas também se serviam do trabalho dos índios, a pretexto da catequese... E nesse rumo seguia um confronto interminável, com não poucos episódios dramáticos (como, por exemplo, a expulsão dos jesuítas de São Paulo em 1640).
Pequena imagem do Padre
José de Anchieta
em porcelana, c. 1940 (³)
Ora, se devemos crer no que escreveu o Padre Fernão Cardim sobre as viagens do visitador jesuíta, Padre Cristóvão de Gouvêa, nos anos oitenta do Século XVI, foram os jesuítas, por onde quer que passavam, muito bem recebidos (e Cardim registra esse fato com uma certa admiração, o que demonstra que talvez os religiosos estivessem aguardando outra coisa). Conta-nos, até, um episódio bastante saboroso (em mais de um sentido, como se verá), ocorrido em uma ocasião na qual, tendo ido às "visitas", retornavam bastante fatigados:
"Dali tornamos à vila, e vindo encalmados por uma praia, eis que desce de um alto monte uma índia vestida como elas costumam, com uma porcelana da Índia cheia de queijadinhas de açúcar, com um grande púcaro d'água fria, dizendo que aquilo mandava seu senhor ao padre provincial José (...)." (¹)
Neste caso, pode-se dizer que os padres estavam recebendo mostras de grande apreço, não é mesmo?
O "Padre José", provincial, citado por Cardim é, provavelmente, o Padre José de Anchieta, que exerceu o provincialato jesuíta no Brasil até 1587; dele, o mesmo Cardim diria, em seguida:
"É este padre um santo de grande exemplo e oração, cheio de toda a perfeição, desprezador de si e do mundo; uma coluna grande desta Província, e tem feito grande cristandade e conservado grande exemplo; de ordinário anda a pé, nem há retirá-lo de andar sendo muito enfermo. Enfim, sua vida é vere apostolica." (²)

(1) CARDIM, Pe. Fernão S. J. Narrativa Epistolar de Uma Viagem e Missão Jesuítica. Lisboa: Imprensa Nacional, 1847, pp. 23 e 24.
(2) Ibid, p. 24.
(3) Do acervo do Museu Histórico e da Porcelana de Pedreira - SP.


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