sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Quem deveria amamentar os bebês?

Durante muito tempo amamentar bebês humanos foi tarefa delegada a amas de leite, livres ou escravas. As mães, quando tinham posição social elevada, jamais faziam isso. Houve até filósofo que abordasse a questão, tentando mostrar que meninos destinados a liderar a sociedade nunca deveriam ser amamentados pelas próprias mães, pois tal contato com elas seria prejudicial à sua educação.
Diante dessa mentalidade, não deve surpreender a ninguém o fato de que, no Brasil, até boa parte do Século XIX, a amamentação de crianças livres fosse confiada a escravas. A Literatura está repleta de referências a esse costume. Veja-se este trecho, a título de exemplo, da obra As Vítimas-Algozes, de Joaquim Manuel de Macedo:
"Uma noite, por exemplo, levou o crioulo a conversar no terreiro da venda.
Depois de fácil ajuste para um de seus frequentes deboches em senzalas de escravas e sítios ocupados por gente depravada, o Barbudo perguntou:
– Simeão, donde diabo veio o favor que conseguiste de teus senhores? Olha que deveras eles te estimam!
– Minha mãe foi ama de leite da menina – respondeu o crioulo."
Ainda outro exemplo, também de Macedo, em Uma Pupila Rica:
"Não consentem que eu tenha uma amiga, nem que eu desça sozinha ao jardim, nem que saia uma vez de casa, ao menos para levarem-me à igreja: despediram a minha ama de leite que meu pai libertara com a condição de acompanhar-me até o meu casamento: enclausurada e suspeita, as criadas espiam-me..."
Ama de leite (*)
Em uma época na qual havia poucas ocupações socialmente aceitáveis para mulheres de condição livre, mas pobres, e que, portanto, precisavam ganhar o próprio sustento, ser ama de leite era uma solução, temporária, é verdade, mas à qual não poucas recorriam. Valendo-nos, mais uma vez, da Literatura, encontramos em O Cortiço, de Aluísio Azevedo, este trecho:
" - Olha! pediu ela, faze-me um filho, que eu preciso alugar-me de ama de leite... Agora estão pagando muito bem as amas! A Augusta Carne Mole, nesta ultima barriga, tomou conta de um pequeno aí na casa de uma família de tratamento, que lhe dava setenta mil reis por mês... E muito bom passadio!..."
Aos poucos, porém, sob influência do pensamento médico e com o fim da escravidão, as expectativas da sociedade iriam mudar. Por um lado, verificou-se que a amamentação era, de fato, muito importante para a saúde do bebê; por outro, passou-se a deplorar que, para isso, as tenras criancinhas fossem entregues aos cuidados de pessoas estranhas. Em nome da higiene e da necessidade, aquilo que se condenara, ou seja, que as mães de elevada posição social amamentassem seus pimpolhos, passou-se a recomendar como um dever sagrado e intransferível. A propaganda logo faria uso desse novo ideário, como, a seguir, constatarão os senhores leitores, através de dois anúncios que ilustram muito bem a questão.
Neste primeiro caso, o anúncio publicado na revista paulistana A Cigarra em dezembro de 1924 afirma sem rodeios o dever materno da amamentação, oferecendo um produto que "realiza este ideal":
 

Já neste outro anúncio, que apareceu em A Cigarra em janeiro de 1928, um outro produto é apresentado na suposição de que favoreceria a saúde das mães que amamentavam seus bebês:



(*) _______________ Brasilian Souvenir. Rio de Janeiro: Ludwig & Briggs, 1845. O original pertence ao acervo da BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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