quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Sobre o açúcar que era posto a secar no terreiro

Muitos engenhos de açúcar do Período Colonial adotavam o procedimento de secar o açúcar produzido em um terreiro - ao ar livre, portanto. Esse método podia ter sérios inconvenientes, tanto para o rendimento da produção quanto para a higiene do produto. É o que denunciava José Caetano Gomes, em sua Memória Sobre a Cultura e Produtos da Cana-de-Açúcar, escrita em fins do Século XVIII:
"A forma de secar o açúcar no terreiro é péssima; além de ser preciso ter sentinela, ainda que quem o vigia seja um Argos (¹), não impede que se furte muita parte: a formiga, a galinha, o cão, o porco, todos o comem; o vento faz depositar nele mil impurezas; se há chuvas continuadas, o que sucede muitas vezes, não podendo as formas sair da casa de purgar, mela o açúcar nelas; a estufa salta aos olhos, porém ninguém a pôs ainda em prática." (²)
Gostaria de saber se os apreciadores do açúcar produzido no Brasil, que o compravam em mercados na Europa, tinham alguma ideia de como era ele produzido... Vale a mesma questão para uma série de coisas que todos nós hoje apreciamos, para as quais será melhor restringir a curiosidade, apreciando apenas o sabor.
Por outro lado, não há dúvida de que a proposição de José Caetano Gomes era boa - estufas resolveriam o problema. Mas, no Brasil Colonial, toda a produção era rudimentar. Muitos proprietários de engenho tinham pouca ou nenhuma instrução e, por isso, estavam incapacitados para a compreensão de novos métodos e processos. Não percebiam que um investimento podia, no futuro, trazer lucros significativos. Era corrente entre eles o dito: "Quero cana mil, e não gentil". (³)

(1) Referência a Argos Panoptes, personagem da mitologia grega dotado de uma centena de olhos.
(2) GOMES, José Caetano. Memória Sobre a Cultura e Produtos da Cana-de-Açúcar. Lisboa: Casa Literária do Arco do Cego, 1800, p. 46.
(3) Ibid., p. 5.


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