sexta-feira, 29 de maio de 2015

Carne de porco e bananas para os doentes

Alguns doentes precisam de cuidados na alimentação, dependendo da enfermidade que os afeta. Isso é conhecimento antigo entre a humanidade, e resultou de observações quanto àquilo que proporcionava melhores resultados, embora nem seja preciso lembrar que muita gente deve ter deixado de viver até que esse saber fosse construído. Porém, a verificação de quais alimentos eram, no passado, tidos como apropriados aos enfermos, pode levar a algumas surpresas.
Vão aqui dois exemplos, registrados, ambos, por Pero de Magalhães Gândavo, no Século XVI.
Primeiro, referindo-se às bananas:
"Esta é uma fruta muito saborosa e das boas que há na terra, tem uma pele como de figo [sic], a qual lhes lançam fora quando as querem comer e se come muitas delas fazem dano à saúde e causam febre a quem se desmanda nelas. E assadas maduras são muito sadias e mandam-se dar aos enfermos." (¹)
Parece que, nos dias de Gândavo, banana assada era servida aos doentes, independente da moléstia. Casos específicos não eram considerados, até porque a maioria das pessoas não tinha conhecimento para tanto, os médicos eram raríssimos na Colônia e a ciência, nesse aspecto, ainda engatinhava. 
Pois bem, se o primeiro caso já lhe pareceu um pouco estranho, leitor, veja agora mais este:
"Manda-se dar nesta terra aos enfermos carne de porco, para qualquer doença é proveitosa, e não faz mal a nenhuma pessoa." (²)
É claro que não há quaisquer estatísticas da época, sobre quantos doentes saravam ou, ao menos, melhoravam com tal dieta. Sabe-se, porém, que no Brasil Colonial as taxas de mortalidade eram elevadas, por um conjunto de razões que iam muito além da alimentação equivocada. As condições de higiene eram mais do que precárias e, para muitas pessoas, conseguir alimento suficiente já era um problema sério. Sabe-se que muito do que se supunha correto em termos de cuidados médicos não passava de grande tolice (lembra-se das famosas sangrias?), de modo que o máximo cuidado que, em muitos casos, era possível para com um doente, consistia em assegurar-lhe que recebesse comida suficiente para refazer as forças. Nutrição, como hoje a entendemos, cientificamente elaborada, era coisa que ainda estava no futuro.

(1) GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil: História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2008, p. 64.
(2) Ibid., p. 58.


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4 comentários:

  1. Fascinante: carne de porco e banana assada. Se o mal fosse subnutrição, com certeza haveria melhoras.
    Já os povos indígenas teriam outro tipo de sabedoria, baseada na natureza e nas plantas que, possivelmente, daria melhores resultados. Será que alguém registou algo a esse respeito?
    Abraço, Marta.
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    1. Já que usavam como "remédio para tudo", era bem provável que essa alimentação fosse útil apenas para poucos e, portanto, muita gente devia morrer devido à falta de tratamentos eficazes.

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  2. Eu sempre pensei q banana terra frita c carne de porco seria como veneno

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    1. Olá, amigo leitor, obrigada por visitar este blog.
      Como você deve ter notado, a intenção, no post, não foi discutir se essas coisas são ou não saudáveis para doentes. Isso um nutricionista faria melhor, tenho certeza.
      O caso é que, historicamente, sabemos que médicos do Século XVI que atuavam no Brasil de fato prescreviam tanto bananas como carne de porco para doentes. Uma possível razão para isso (ainda que não seja a única), ao menos no caso da carne de porco, é que alguns médicos eram cristãos-novos e desejavam fugir de suspeitas de caráter religioso. Lembre-se da Inquisição!
      Além disso, muito das práticas médicas do Século XVI não seriam em nada benéficas aos enfermos, já que grande parte da ciência, como hoje a entendemos, somente viria a existir em séculos posteriores.

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