quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A aplicação da justiça no exército romano

Cavaleiros romanos portando insígnias
militares, de acordo com representação
do Século XVII (³)
Foi Sêneca, o célebre professor de Nero, quem, em De ira, relatou esta história terrível, que ilustra perfeitamente como se aplicava a "justiça" no exército romano: quase tudo dependia do estado de humor de quem comandava.
Dois soldados foram juntos procurar alimento para os cavalos. Por algum motivo, distanciaram-se enquanto trabalhavam, de modo que um deles retornou sozinho ao acampamento, sem ser capaz de explicar onde estava o companheiro. Levado à presença do comandante Cneu Pisão (¹), foi sumariamente sentenciado à morte, sob a acusação de ter matado o soldado que desaparecera. 
Ocorre que, estando já pronta a cena da execução, apareceu o outro soldado, vivo e em perfeito estado de conservação, daí porque o centurião houve por bem suspender a aplicação da sentença. Sob as felizes aclamações dos demais soldados, os dois companheiros foram, abraçados, apresentar-se ao comandante que, num acesso de fúria, condenou ambos à morte e, não satisfeito, mandou que também o centurião fosse executado. 
Como era possível tamanho absurdo? 
Eis aqui a explicação que deu o próprio Cneu Pisão:
"Você [o primeiro soldado] deve morrer porque a isso foi condenado; você [o segundo soldado], porque chegando depois foi motivo para que seu companheiro fosse sentenciado à morte; e quanto a você [o centurião] deve morrer porque recebeu de seu comandante uma ordem de execução e deixou de cumpri-la." (²)
Soldados e oficiais estavam, portanto, à mercê de quem comandava, o que nos leva a pensar em duas questões:
- É razoável dar o nome de justiça a uma tal prática?
- Sendo assim a aplicação da justiça no exército (que se constituía em sustentáculo do poder romano), é por acaso surpreendente que os governantes, que muitas vezes chegavam ao poder depois do exercício do comando militar, acabassem, no mando supremo do Império, adotando conduta semelhante à que mantinham na caserna?
Diante de tamanha irracionalidade, o estoico Sêneca observaria:
"O objetivo da razão é tomar uma decisão justa, enquanto que a ira tem como meta fazer passar por justa a sua decisão." (²)

(1) Cerca de 44 a.C. - 20 d. C.
(2) SÊNECA, Lúcio A. De ira. Tradução de Marta Iansen para uso exclusivo no blog História & Outras Histórias.
(3) ROSSI, Filippo de. Ritratto di Roma Antica. Roma: Francesco Moneta, 1645, p. 51. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 


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