quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Máquinas em lugar de escravos

Escravo indo à roça, tendo uma
enxada como ferramenta (¹)
Por séculos, no Brasil, quando alguém queria aumentar a produção da lavoura ou de outras atividades relacionadas à agricultura, só enxergava como solução a compra de mais escravos, na suposição de que mais braços significariam mais trabalho. Todavia, à medida que avançava o Século XIX, uma nova preocupação passou a circular pela cabeça de muitos fazendeiros: que fazer se, de fato, o tráfico de africanos acabasse e não fosse possível dar continuidade à importação de cativos?
Curiosamente, a ideia de manter ex-escravos como trabalhadores livres assalariados não era contemplada por muita gente. Fizeram-se tentativas para atrair o interesse de trabalhadores europeus, mas a mentalidade escravista não tardou em gerar conflitos no campo, à medida que muitos fazendeiros julgavam ser possível dispensar aos imigrantes o mesmo trato que proporcionavam aos escravos. Ora, trabalhadores livres não aceitavam tal coisa e, diante de tantos problemas, chegou a haver mesmo proibições, em alguns países, de que seus cidadãos viessem trabalhar no Brasil.
Umas poucas vozes, ainda que dentro da lógica escravocrata, começaram a manifestar-se em favor de um pensamento que visava à elevação da produtividade, e não somente da produção pura e simples. Como? Mediante a introdução de máquinas. Propunha-se, por exemplo, a mecanização da escolha e seleção de grãos de café, sabendo que um único trabalhador, fazendo uso de uma só máquina, seria capaz de fazer tanto quanto quinze homens, apenas com trabalho manual. Havia, porém, ainda outras vantagens, conforme apontou Augustinho Rodrigues Cunha, em sua Arte da Cultura e Preparação do Café:
"Uma máquina produzindo esta quantidade de trabalho, não consome nem exige a mesma despesa, que o mesmo número de pessoas, que comem, adoecem, vestem e morrem, e que podem ser empregadas noutros trabalhos." (²)
Alguém poderá objetar que escravidão e mecanização seriam visceralmente incompatíveis, relacionando a atividade industrial, ainda que voltada ao desenvolvimento da agricultura, à formação e crescimento do proletariado urbano. A esse respeito cabe lembrar que experimentos com trabalho escravo na indústria algodoeira foram feitos no sul dos Estados Unidos, antes da Guerra de Secessão, e não poderiam ser taxados de completo fracasso, ainda que não tenham alcançado sucesso absoluto.
Deve-se reconhecer, no entanto, que faltava às incipientes indústrias de beneficiamento, quer do café (no Brasil), quer do algodão (nos Estados Unidos), aquele estímulo à produtividade que a escravidão dificilmente proporcionaria. Ocorre que, por essa e por muitas outras razões, fossem econômicas, políticas e até mesmo humanitárias, o trabalho cativo estava condenado a desaparecer, e somente a teimosia dos escravocratas é que ainda emperrava a abolição total. 
Não constitui surpresa que latifundiários acostumados a ver escravos lavrando a terra apenas com enxadas rústicas resistissem à ideia da introdução de máquinas para acelerar e elevar a produtividade na agricultura ou em tarefas a ela relacionadas. No entanto, muito mais difícil ainda seria extirpar na sociedade a mentalidade escravista, o que nos leva a pensar se, mesmo hoje, não poderíamos, aqui e ali, encontrar dela vestígios nada desprezíveis.

(1) RIBEYROLLES, Charles. Brazil Pittoresco. Paris: Lemercier, 1861. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) CUNHA, Augustinho Rodrigues. Arte da Cultura e Preparação do Café. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1844, p. 95.


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2 comentários:

  1. tenho muitas dessas enxadas,foices,machadinha da época dos escravos ,alguém coleciona ?

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    1. Olá, Marco Martins, eu até gostaria de colecionar, mas, por causa das coleções de outras coisas que tenho, não há mais espaço rsrrssssssssss. Se outros leitores se interessarem poderão entrar em contato com você. Obrigada pela visita ao blog!

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