segunda-feira, 25 de abril de 2016

A catequese dos povos indígenas como pretexto para a conquista da América

A conquista da América foi efetuada sob o pretexto de que os ameríndios seriam doutrinados na fé cristã. Pois bem, é relato de Frei Bartolomé de Las Casas, dominicano que consagrou a vida a defender os índios, que um chefe indígena, percebendo os intentos dos conquistadores espanhóis, fugiu da ilha chamada La Espanhola para Cuba. O infeliz, depois de muitas peripécias, acabou caindo prisioneiro e, para puni-lo pelo atrevimento de ter fugido, condenaram-no a ser queimado vivo (¹). Deste ponto seguimos com a narrativa de Las Casas (²):
"Atado ao poste [em que seria queimado], lhe dizia um religioso de São Francisco, um homem santo que ali estava, algumas coisas de Deus e de nossa fé, as quais ele jamais ouvira, e que lhe poderiam bastar naquele pouquinho de tempo que os verdugos lhe davam: se queria crer naquilo que lhe dizia, que iria ao céu, onde havia glória e descanso eterno; e se não cria, haveria de ir ao inferno e padecer perpétuos tormentos e penas. Ele, pensando um pouco, perguntou ao religioso se os cristãos iam ao céu. O religioso respondeu que sim, mas que só iam os que eram bons. Disse logo o cacique sem mais pensar, que não queria ir para lá, mas preferia o inferno, para não estar onde estivessem e para não ver gente tão cruel. Esta é a fama e honra que Deus e nossa fé ganharam com os cristãos que têm ido às Índias (³)." (⁴)
A história é tão louca que chega a parecer alucinação. Os conquistadores vão à América, querem riqueza fácil, encontram-na; mas arrancá-la às civilizações que já estão no Continente parece requerer uma justificativa moralmente válida, daí o argumento de que a conquista tinha por grande objetivo a conversão dos povos ameríndios. Estes, por sua vez, resistem aos invasores, em defesa de suas terras, de suas famílias e de si mesmos. Os esfaimados por ouro têm aí o pretexto que buscavam. Em poucas décadas, civilizações notáveis são quase riscadas da existência. O ouro flui para a Europa, tem lugar uma inflação sem precedentes (a "Revolução dos Preços"), gente obscura faz fortuna da noite para o dia, os monarcas sorriem com o Tesouro abarrotado. Tudo isso, diz-se, é pela salvação da alma dos indígenas! Não era sem motivo que Las Casas, quando se referia aos conquistadores espanhóis, fazia questão de, por ironia, chamá-los "cristãos". Sim, que grande obra de catequese faziam eles!...

(1) Vê-se que, pelas alturas do Século XVI, essa prática abominável andava na moda em ambos dos lados do Atlântico; o próprio Las Casas parecia simpático à ideia de que os conquistadores assassinos fossem também queimados
(2) A Brevísima Relación de la Destrucción de las Índias foi publicada pela primeira vez na Espanha em 1552; a citação da obra de Bartolomé de Las Casas é tradução de Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) Por "Índias" deve-se entender o Continente Americano.
(4) LAS CASAS, Bartolomé de. Brevísima Relación de la Destrucción de las Índias. Philadelphia: Juan F. Hurtel, 1821, pp. 35 e 35.


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2 comentários:

  1. Com uma ou outra variante, a história dos homens é feita de episódios do género. Quem tem a força, tem o poder.

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