quarta-feira, 14 de julho de 2010

Grandes navegadores - Parte I: A incerteza faz companhia

Navegadores dos Séculos XV e XVI nem sempre sabiam em que lugar estavam


Hoje, quando alguém viaja ou planeja uma aventura qualquer, geralmente sabe aonde quer ir, quanto tempo gastará, quais os equipamentos indispensáveis e, quase sempre, é capaz de dizer o que espera encontrar ao chegar ao seu destino. Essas informações são vitais para a segurança de qualquer viajante. Não era esse o caso dos marinheiros dos séculos XV e XVI, pois quase tudo em suas viagens marítimas era  incerteza.
Um fato que chama a atenção nas navegações dos séculos XV e XVI é que os marinheiros pareciam nunca saber exatamente onde estavam, a menos que suas embarcações "andassem a vista de terra" já conhecida. Veja-se, por exemplo, no Diário da Navegação de Pero Lopes de Souza pela Costa do Brasil até o Rio Uruguai  (¹), de 1530 a 1532, p. 10:
"Sexta-feira 9 dias de dezembro às três horas depois de meio-dia houve vista da terra; e chegando-nos mais a ela, reconhecemos ser a ilha de Tenerife. Como foi noite tiramos as monetas (²); e pairamos a noite toda até o quarto d'alva, que nos fizemos à vela."
Além disso, na página 16, encontramos o seguinte registro: 
"Assim que nesta paragem a pilotagem é incerta: por experiência verdadeira, para saberdes se estais de barlavento ou de julavento (³) da ilha de Fernão de Loronha (⁴), quando estais de barlavento vereis muitas aves as mais rabiforcados e alcatrazes pretos; e de julavento vereis mui poucas aves, e as que virdes serão alcatrazes brancos. E o mar é mui chão."
E mais adiante, ainda na p. 16:
"Segunda-feira 30 dias do mês de janeiro tomei o sol: e estava na altura do cabo de Santo Agostinho; e íamo-lo a demandar pelo rumo de oeste. Este dia não correu pescado nenhum conosco, que é sinal nesta costa de estar perto de terra; e outro nenhum não tem senão este."
Veja, leitor, o documento a que me reporto é de 1530 a 1532 - depois das viagens de Colombo, da de Vasco da Gama às Índias, da de Cabral ao Brasil, mesmo após a de circunavegação (Fernão de Magalhães - Delcano). E, a despeito de todo o conhecimento técnico e prática acumulados, as viagens eram ainda assustadoramente inseguras. Você empreenderia alguma viagem nessas condições? Os navegadores - incríveis navegadores - o fizeram.


(1) De acordo com a  edição de Varnhagen de 1867, que transcrevo na ortografia atual.
(2) Velas pequenas.
(3) Termo náutico, com o mesmo significado de sotavento, que é atualmente mais empregado.
(4) Ou Noronha.


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