domingo, 31 de outubro de 2010

A Política do Café com Leite, conforme não aprendemos na escola

Apesar da vegetação, pode-se
ver a placa que indica o local do
Pacto de Ouro Fino
Para honrar esse dia de eleições presidenciais do segundo turno, resolvi escrever sobre a chamada "política do café com leite". Na escola todo mundo aprende que essa tal política foi resultado de um acordo entre políticos do Estado de São Paulo e de Minas Gerais, para que a presidência da República fosse ocupada, alternadamente, por candidatos dos dois Estados. Esse acordo, obviamente informal - ninguém colocaria uma coisa dessas no papel e mandaria registrar em cartório, cuidando para assegurar a publicação nos principais jornais do País - foi celebrado em 1913, na cidade mineira de Ouro Fino, daí ter ficado conhecido como "Pacto de Ouro Fino". Aprende-se também, quase sempre, que o "café com leite" chegou ao fim porque Washington Luís, o "paulista falsificado" , de acordo com a música de Eduardo Souto, rompeu o acordo feito com os mineiros, ao indicar Júlio Prestes, paulista de Itapetininga, como seu candidato à sucessão.
Acontece, leitor, que se analisarmos a lista de presidentes desde a proclamação da República, em 1889, até 1930, veremos que as coisas não são tão simples quanto parecem, ou pelo menos, não aconteceram exatamente como nos ensinaram. Observe:

Deodoro da Fonseca, alagoano, era militar de carreira;
Floriano Peixoto, também alagoano e militar de carreira;
Prudente de Morais , paulista de Itu, formado na turma de 1863 da Faculdade de Direito de São Paulo;
Campos Sales, paulista de Campinas, também da turma de 1863 da Faculdade de Direito de São Paulo;
Rodrigues Alves, paulista de Guaratinguetá, formou-se em Direito em São Paulo, na turma de 1870;
Afonso Pena, mineiro de Santa Bárbara, formou-se em Direito em São Paulo na turma de 1870;
Nilo Peçanha, nascido em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, concluiu o bacharelado em Direito na Faculdade de Direito do Recife;
Hermes da Fonseca, nascido em São Gabriel, Rio Grande do Sul, era sobrinho do Marechal Deodoro da Fonseca e, como ele, militar de carreira;
Wenceslau Braz, mineiro de Brazópolis, formou-se em Direito em São Paulo na turma de 1890, tendo sido presidente da República de 1914 a 1918, portanto o primeiro do "café com leite";
Rodrigues Alves, como já foi dito era paulista e, eleito presidente, morreu antes de assumir novamente a presidência;
Delfim Moreira, mineiro de Cristina, bacharelou-se em Direito em São Paulo na turma de 1890, sendo presidente de 1918 a 1919, já que era vice na chapa de Rodrigues Alves;
Epitácio Pessoa, paraibano de Umbuzeiro, formou-se em Direito em Recife na turma de 1886, sendo presidente de 1919 a 1922 (apoiado pelos políticos mineiros, foi uma rusga no "café com leite");
Artur Bernardes, mineiro de Viçosa, formou-se pela Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais, sendo presidente de 1922 a 1926;
Washington Luís, nascido em Macaé, Rio de Janeiro, era, na política, considerado "paulista", tendo concluído o bacharelado em Direito em São Paulo na turma de  1891. Antes de ocupar a presidência da República foi prefeito da cidade de São Paulo e Governador do Estado de São Paulo. Presidente de 1926 a 1930, foi deposto pelo golpe conhecido como "Revolução de 30".
Júlio Prestes, paulista de Itapetininga, formado em Direito em São Paulo na turma de  1906, não chegou a assumir a presidência.

Constatamos que, de Prudente de Morais a Washington Luís, onze pessoas diferentes ocuparam a presidência da República. Dessas onze, dez eram civis e apenas um, o Marechal Hermes da Fonseca, era militar. Quanto ao Estado de origem, excetuando o caso "híbrido" de Washington Luís, verificamos que, dos dez presidentes civis, quatro vieram de Minas Gerais, três de São Paulo (aliás consecutivamente), um do Rio de Janeiro, um do Rio Grande do Sul e um da Paraíba. Porém, se analisarmos apenas o período de vigência do Pacto de Ouro Fino, faremos a espantosa constatação de que os presidentes, foram, por ordem, mineiro, mineiro, paraibano, e mineiro. As exceções, se assim podemos chamar, foram o reeleito Rodrigues Alves, que deveria ter assumido o mandato em 1918, mas que morreu, vítima da gripe espanhola, antes de tomar posse, e o já citado caso de Washington Luís, carioca de Macaé, que, no entanto, reconhecidamente fez sua carreira política em São Paulo, tendo sido prefeito e governador, antes de chegar à presidência da República.
Pergunto: onde está o "café com leite", com a suposta alternância de presidentes mineiros e paulistas? Os três únicos verdadeiramente paulistas que chegaram à presidência durante a República Velha (e não só) foram justamente os três primeiros civis, o que se explica facilmente pela relevância política do PRP (Partido Republicano Paulista), criado em 1873, primeiro e decisivo impulsionador do movimento republicano no País, e pela preponderância econômica que São Paulo exercia na época em decorrência de ser o grande centro produtor e exportador de café, produto do qual, em última instância, dependia a economia brasileira quase exclusivamente.
Casa em que foi celebrado o Pacto de Ouro Fino,
dando origem à chamada "política do café com leite"
O que mais dizer? Se o "café com leite" nunca se consumou, o que haveria, ao menos, em comum, em relação a todos esses presidentes? Primeiro, eram todos do sexo masculino (você notou, leitor?)  e além disso, excetuando-se os militares, eram todos formados em Direito. Verifica-se que, sendo todos advogados de profissão, sete obtiveram o Bacharelado em Direito em São Paulo, dois na Faculdade de Direito de Recife e um na Faculdade Livre de Minas Gerais. Por isso, se há alguma coisa que pode, nesse sentido, ser decisiva, é o fato de que a maioria dos presidentes estudou em São Paulo, na mesma instituição, o que talvez assinale uma tradição de pensamento e ação no campo da política. Os fatos, leitor, demonstram que qualquer outra coisa que nos tenham ensinado não passa de mistificação, e não História. Mas esse é apenas um, dentre muitos outros tópicos, sobre os quais se ensina o que nunca aconteceu.


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4 comentários:

  1. Olá. Na política dos governadores, que existiu para salvar o governo do Brasil que estava com dívidas, do governo anterior; Minas e São Paulo os dois mais ricos, produtores de café e leite, e com mais eleitores, se uniram para indicar os candidatos a presidencia. O acordo determinava que cada vez um deles alternadamente, indicaria o candidato a presidência, não era necessário que fosse mineiro ou paulista , mas que fosse escolhido ora por um e ora por outro. Era certo, que sempre elegiam, pois seus eleitores juntos, eram maioria no Brasil, separados não.

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  2. Oi, Moguis, antes de mais nada, parabéns pelo seu blog. Muito bonito. Agora, o "café-com-leite". Como todo acordo extraoficial (uma coisa desse tipo tinha que ser assim), seus termos não são estritamente conhecidos, e nem poderiam ser. Todo mundo sabe que, em política, há uma enorme diferença entre o que se divulga e aquilo que, de fato, se pretende. Entretanto, meu ponto de vista é o de que havia, sim, inicialmente, a proposta de um revezamento no poder, com candidatos oriundos do PRP e do PRM, que na prática não ocorreu, o que não significa que os interesses partidários não fossem, por suposto, defendidos. Acho pouco provável que os dois partidos, se tivessem isoladamente a possibilidade de escolher os candidatos, independente de outros fatores, não viessem a indicar alguém de seus próprios quadros. Afinal, isto é a essência da lógica partidária. Só se apoia um candidato de outro partido quando não se tem um nome forte o bastante para ser indicado, e esse não era o caso do PRP.Entretanto, penso também que os grandes cafeicultores paulistas, durante os anos do "café-com-leite", já tinham uma certa consciência da fragilidade de sua posição política diante da instabilidade econômica do café, seu quase único próduto, que precisavam defender de qualquer modo, daí a busca por uma aliança com o PRM. Escolhido o candidato, o processo eleitoral estava praticamente definido. Por quê? Ora, durante a República Velha, a questão de ter o apoio dos eleitores não era prioritária, o que interessava era ter o apoio de quem controlava os eleitores, geralmente os grandes latifundiários que, inclusive com o uso da força, garantiam os votos para seus candidatos (naquela época, o voto não era secreto). Finalmente, vale considerar que o objetivo da postagem é mostrar as coisas absurdas que são ensinadas, inclusive com o aval de muitos livros didáticos, o que sugere a necessidade de repensar os currículos escolares no Brasil. É só dar uma busca para ver que muitas publicações asseguram que, durante esse, tempo, houve um estrito revezamento de paulitas e mineiros na presidência, o que nós sabemos ser uma grande bobagem. Obrigada por sua participação!

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  3. A política do café com leite, como aprendemos na escola, nunca existiu, de fato.
    O que havia era até semelhante com o que acontece hoje, o presidente, para ser eleito e govrnar precisava de apoio político, por este motivo, os estados de minas e São Paulo, os maiores produtores de café faziam acordos, sempre que um presidente era paulista havia um vice mineiro e vice e versa. Vale destacar também, que quando houve uma ruptura desta política, nos governos de Hermes da Fonseca, o que demonstrava uma luta pelo poder pelas oligarquias.

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    1. Boa noite, Tiago Soares, obrigada por sua visita a este blog. Se tiver paciência para tanto, verifique quantos vice-presidentes nesse tempo eram paulistas e/ou membros do PRP. Talvez fique surpreso com o que irá descobrir.

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