quinta-feira, 26 de maio de 2011

O trabalho das escravas nos engenhos de açúcar: Parte 5 - Conclusão

A fome me tem já mudo, 
que é muda a boca esfaimada,
mas se a frota não traz nada,
por que razão leva tudo?
que o povo por ser sisudo
largue o ouro, e largue a prata,
a uma frota patarata,
que entrando co'a vela cheia,
o lastro que traz de areia,
por lastro de açúcar troca!
          (Gregório de Matos)


O autor que serviu de base para nosso pequeno estudo, André João Antonil, enumerou em sua obra (¹) uma série de razões pelas quais resolveu escrever o que havia observado nos engenhos, mencionando, entre elas, "...para que os que não sabem o que custa a doçura do açúcar a quem o lavra, o conheçam, e sintam menos dar por ele o preço que vale...". E, ainda mais , referindo-se ao caldo obtido da cana no preparo do açúcar, disse: "...e desta sorte nem um só pingo se perde daquele doce licor, que bastante suor, sangue e lágrimas custa para se ajuntar." (²)
Saltava aos olhos dos observadores atentos que, sendo o açúcar a mais importante riqueza produzida no Brasil durante muitas décadas, havia por parte do governo metropolitano o máximo interesse em bem conservar a produção, no interesse da saúde financeira da Coroa.
Um dos que ousaram escancarar essa questão foi Frei Vicente do Salvador, contemporâneo da tentativa holandesa de ocupação da Bahia (1624), que relatou a preocupação do monarca reinante, Filipe III de Portugal (e IV de Espanha, em tempos da União Ibérica, que durou de 1580 a 1640), no sentido de retomar o controle da região:
"...mandou com muita brevidade aprestar suas armadas, e que entretanto se mandasse de Lisboa todo o socorro possível, não só à Bahia, mas às outras partes do Brasil, para que os rebeldes não tomassem pé no Estado, nem ainda o lançassem fora dos limites da cidade que tinham tomada, porque nisso podiam perigar as fazendas dos engenhos de açúcar que estão no Recôncavo, de que tanto proveito recebem as suas alfândegas."(³)
Não é necessário frisar o que se encontra nas últimas linhas. Quanto aos senhores de engenho, é verdade que, por esse tempo, constituíam a elite colonial, embora sua situação econômica nem sempre fosse das mais favoráveis, daí as palavras mais que explícitas de Gregório de Matos, no sentido de ressaltar o fato de que não era ao Brasil e à sua população que, em última instância, cabiam os maiores lucros do açúcar.
Embalado em caixas de madeira, o açúcar era conduzido aos portos, e daí, via Portugal, para outros lugares:
"E com isto temos levado o açúcar do canavial, aonde nasce, até os portos do Brasil, donde navega para Portugal, para se repartir por muitas cidades da Europa." (⁴)
Na primeira postagem desta série mencionei o fato de que muitas publicações de caráter didático trazem representações dos engenhos nas quais há apenas homens trabalhando. Se, ao final de nosso estudo, estiver bem claro o fato de que havia muitas escravas ocupadas em todo o processo de produção do açúcar, havendo etapas em que elas chegavam a ser a maioria, pode-se considerar que o objetivo foi alcançado.

(1) Cultura e Opulência do Brasil Por Suas Drogas e Minas.
(2) p. 69 da edição original de 1711.
(3) SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil.
(4) Cultura e Opulência..., p. 94.


Veja também:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.