terça-feira, 28 de junho de 2011

O que Esopo tinha a dizer sobre as relações entre desiguais

Desde os dias da Revolução Francesa até o início do século XX houve, neste planeta, uma linha de pensamento bastante otimista, segundo a qual a humanidade estava indiscutivelmente progredindo, não apenas no plano científico (o que era evidente), mas também em questões mais sutis, ainda que não menos importantes, como a elevação do padrão de relacionamento entre pessoas, organizações e Estados. Embora a ocorrência de duas guerras mundiais tenha significado a derrocada dessa linha de pensamento, há ainda uns poucos que tentam eventualmente ressuscitá-la. Sim, é direito de cada um pensar o que quiser, fato que se constitui, aliás, em legado da já citada Revolução Francesa.
Uma fábula de Esopo (*) talvez ajude a esclarecer o assunto. Vamos, pois a essa historinha oriunda da Antiga Grécia.
Diz o relato de Esopo que um leão, rematado caçador, propôs um acordo a uma vaca, uma cabra e uma ovelha, de modo que tornar-se-iam sócios, caçando juntos e dividindo o que apanhassem. Envaidecidas pela proposta, as três herbívoras arvoradas em predadoras aceitaram prontamente. Consta que, depois de louca correria, capturaram um veado, o qual, conforme o pacto, deveria ser dividido entre os participantes da caçada.


Foi aí que a verdade se revelou. O leão, fazendo o que era compatível com sua natureza felina, partiu o veado em quatro partes, sob os olhares atentos das parceiras. Mas... Mas, longe de entregar a cada um o que se supunha devido, tomou o primeiro pedaço para si, por ser seu como membro do acordo, tomou o segundo, alegando que sua valentia fora, em grande parte, a responsável pelo sucesso da caçada, tomou o terceiro, sob a justificativa de que era o rei dos animais, oferecendo o quarto àquela que ousasse disputá-lo com ele.
Furiosas, vaca, cabra e ovelha quase explodiram em ira, sem, no entanto, poderem fazer qualquer coisa contra o leão. Termina aqui a fábula, vem agora a interpretação, na certeza de que meus ilustres leitores compreendem perfeitamente que Esopo não estava, por suposto, tratando de animais, e sim de homens.
Antes de mais nada, o que é que seres de natureza herbívora têm a fazer junto a um predador? Que igualdade pode nascer dessa desigualdade visceral? Ademais, a conclusão não poderia ser outra - pactos só devem ocorrer quando se tem a força necessária para fazê-los cumprir. Fora disso, é insanidade, seja no âmbito pessoal, institucional, internacional.
Então, leitor, que lhe parece: mudou muito a humanidade desde os antigos gregos? Alguma noção de progresso é aplicável, neste caso? Qual a sua opinião?

(*) Há uma interessante adaptação desta fábula por Monteiro Lobato, na qual figuram animais das matas do Brasil, mas a essência da narrativa é a mesma.


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