terça-feira, 18 de outubro de 2011

1852: Um "carregamento" de imigrantes está vindo ao Brasil...

Na postagem anterior tratei da questão do transporte de africanos escravizados para o Brasil nos chamados "navios negreiros". Agora, para quem acha que a mentalidade escravocrata desapareceu com o incentivo à imigração de colonos europeus, que deveriam, como se supunha na época, gradualmente substituir o trabalho escravo, tenho hoje uma preciosidade, um anúncio que apareceu no jornal Aurora Paulistana, edição de domingo, 29 de agosto de 1852:

  
Que tal? "Durante o corrente mês de agosto esperam dois carregamentos..."
O que é isso? Carregamentos de seres humanos? Seriam eles, os colonos, a mais nova mercadoria a ser negociada no mercado brasileiro, incipiente em quase tudo, menos quando se tratava de gente para trabalhar?
Creio caberem aqui, ao menos duas considerações:
1. Sobre a pretendida substituição do trabalhador escravo, de origem africana, por imigrantes europeus, o que é que imaginavam, políticos e fazendeiros (muitas vezes as duas coisas numa pessoa só), que iria ocorrer com os escravos existentes? Iriam desaparecer por encanto? Iriam morrendo aos poucos e então sendo substituídos? Ou teriam alguns a veleidade de vê-los embarcar de retorno à África (o que, aliás, em poucos casos, aconteceu mesmo)?
2. A partir de tudo o que se sabe sobre a escravidão e sobre o relacionamento entre fazendeiros e colonos europeus (que resultou em confrontos famosos, como a revolta ocorrida em Ibicaba, conforme o relato de Thomas Davatz, além de muitos outros), reforça-se apenas o fato de que trabalhadores, qualquer que fosse sua condição, eram tratados não segundo sua dignidade de seres humanos, mas como mão de obra a ser explorada, uma consequência da velha e péssima ideia de que trabalho era coisa degradante - entre os fidalgos europeus, trabalho manual fazia perder o status de nobreza; no Brasil Colonial, os cargos administrativos importantes só podiam ser ocupados por quem era "nobre" o suficiente para não precisar trabalhar, o que significava, por consequência, ter mãos escravas que o fizessem em seu lugar.
Quem poderia duvidar de que, nesses dois pontos, encontram-se as causas de muitos problemas que persistem no Brasil atual?

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