domingo, 2 de outubro de 2011

A persistência da mentalidade escravista no Brasil após a Abolição - Parte 1

A escravidão - ensina-se aos escolares - foi, no Brasil, abolida "por etapas": primeiro a abolição do tráfico de africanos com a Lei Eusébio de Queirós, depois a condição livre para os filhos das escravas com a Lei do Ventre Livre, então a liberdade dos escravos idosos com a estapafúrdia Lei dos Sexagenários e, finalmente, a abolição total do sistema escravista com a Lei Áurea. O que poucas vezes se ensina é que, abolida formalmente a escravidão, a mentalidade escravista continuou a existir, seja nas relações sociais, na imagem do negro que se divulgava na imprensa, na música, na literatura e nas artes em geral, ou ainda nas regras não explícitas mas nem por isso menos compreendidas que regiam o mercado de trabalho em fins do século XIX e início do século XX.
Para ilustrar essa questão, selecionei quatro imagens que apareceram na revista paulistana A Cigarra. Os leitores não terão, por certo, dificuldades em identificar como a mentalidade escravista nelas sobrevive, século XX adentro. Chegam a ser chocantes, mas talvez fossem menos se em nossos dias tais coisas houvessem desaparecido por completo. Infelizmente, não é o caso.
As duas primeiras imagens estão logo abaixo. As duas últimas virão na próxima postagem.

Imagem 1


O cartum acima foi publicado na edição de 6 de março de 1914. Nessa época, Wenceslau Brás era vice-presidente (a presidência era então ocupada pelo Marechal Hermes da Fonseca), mas logo depois seria presidente da República, com mandato de novembro de 1914 a novembro de 1918. A legenda diz: "Como hoje se trata um pequeno que é parente de um quase parente do Wenceslau Brás".

Imagem 2


Este segundo cartum, publicado em 30 de março do mesmo ano de 1914, é daqueles que chegam a tornar doloroso o trabalho do historiador. A referência é à Lei Rivadávia Corrêa, de 1911, uma reforma do ensino que tinha a pretensão de dar a mais ampla liberdade às instituições escolares, de modo que até a frequência às aulas tornava-se facultativa - aliás uma evidência de que ideias cabeludas quanto à educação não são absolutamente novidade. Não seria nenhum absurdo criticar a tal Lei como verdadeira "fábrica de diplomas", não fora o fato de que a crítica introduzia um escandaloso elemento de preconceito racial. O maior problema, no entanto, é que ninguém notava - parecia, para a maioria das pessoas, até muito "natural"!


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