quinta-feira, 29 de março de 2012

"Dias de peixe"

Sabe o que eram os "dias de peixe"? Bem, dependendo das práticas religiosas adotadas, para algumas pessoas não era - ainda é. Trata-se do período da Quaresma, no qual a gente devota se abstinha de carne, fazendo, portanto, crescer o consumo de peixe. Foi-se a devoção, ficou o hábito de comer peixe nessa época do ano.
Pode até parecer estranho, mas na Idade Média não eram escassas as discussões sobre como deveriam ser classificados certos seres vivos que passavam algum tempo na água e algum tempo em terra - se podiam ser tidos como peixes ou não e, se sendo peixes, podiam servir de comida na Quaresma. Ah, mas que grande diferença fazia isso? É preciso lembrar que, nesses passados tempos, obter alimento rico em proteínas em fins do inverno ou mesmo início de primavera não era exatamente uma tarefa fácil, que se agravava bastante com as restrições da abstinência quaresmal, daí porque uma questão que chega a nos parecer ridícula ganhava muita importância. A intensa religiosidade então reinante fazia com que esse assunto fosse tratado muito seriamente.
Gradualmente, chegou-se a constituir uma tradição culinária associada às semanas que antecediam a Páscoa e que, muito tempo mais tarde, quando os livros de receitas começaram a ganhar espaço, foi sistematizada. E, para os leitores que tenham porventura ficado quase a morrer de curiosidade sobre que comidas eram essas, vou dar um exemplo, sendo escusado salientar ser improvável que alguém tenha ânimo para ir à cozinha, pondo mãos à obra para provar a tal receita, que consta da Arte do Cozinheiro e do Copeiro, em edição que apareceu em Lisboa na primeira metade do século XIX:

Sopa de ervas para dias de peixe

"Azedas (duas pequenas mãos-cheias), uma alface, quatro até cinco folhas de acelgas. Examinai-as bem e tirai-lhes as impurezas, fazei-as branquear cinco minutos em água a ferver e tirai-as depois e escorrei-as, calcando-lhes brandamente. Cortai-as em tiras grosseiras, metei-as numa panela com uma quarta de manteiga, o sal preciso, e um pó de pimenta. Deita-lhes água fria e cozei-as um quarto de hora; depois acrescentai a panela com água a ferver e tornai a deixar cozer por outro quarto de hora. Passado este provai a ver se está bem temperado, e desfazei num prato três gemas de ovos e duas colheres de nata. Tirai o caldo do lume e ajuntai-lhe o condimento indicado, pouco a pouco e mexendo sempre. Ultimamente deitai bocados de pão numa sopeira e fazei a sopa. Se for de verão podeis ajuntar-lhe duas colheres de ervilhas guisadas verdes."


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