quinta-feira, 3 de abril de 2014

Caldo de macaco

A história de hoje não é coisa de filme de aventura - aconteceu de verdade, durante a Expedição Langsdorff, que percorreu o Brasil entre os anos de 1825 e 1829. Para maior exatidão, deve-se mencionar que o fato deu-se pelas alturas do rio Juruena, o que nos leva a concluir que em território do atual Estado de Mato Grosso.
Foi Hércules Florence, desenhista da Expedição, quem contou sobre as lamentáveis condições em que se encontravam cientistas, artistas, militares e outros corajosos que ousaram enfrentar um Brasil, à época, praticamente desconhecido:
"Acabrunhavam-nos as enfermidades; os mosquitos causavam-nos duros sofrimentos, não nos dando a menor trégua.
Por cima do mais sobreveio uma chuva torrencial que durou dias seguidos, molhando tudo quanto tínhamos, até dentro das barracas.
A pesca e a caça nada produziam. Tudo concorria para tornar-nos aquela parada intolerável." (¹)
Tão desesperadora era a situação, que aos encarregados de prover alimento para os famintos expedicionários não restou alternativa senão preparar nada menos que primatas para as refeições. Prossegue a narrativa de Florence:
"Víamo-nos reduzidos a tomar caldos de coatás e barrigudos, duas espécies de macacos, aí muito numerosos, sem dúvida em razão dos frutos do tucuri, caldos aliás excelentes; pois, embora me tivessem as sezões embotado o paladar e repugnasse a carne, senti que o estômago enfraquecido dava-se bem com aquele restaurador alimento." (²)
Assumam, leitores, é de causar náuseas, só à simples imaginação, não é mesmo? Mas, como se vê, ninguém estava diante de fartas opções em um restaurante fino; tampouco era um caso de propensão ao consumo de acepipes exóticos. Era questão de sobrevivência.

(1) FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007, p. 242.
(2) Ibid., p. 243.


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