quarta-feira, 7 de maio de 2014

Remédios estranhíssimos de antigamente - Parte 2: Prescrições de um cozinheiro

Lucas Rigaud não foi um cozinheiro qualquer. Em fins do Século XVIII, ele já havia preparado comida para uma porção de cabeças coroadas da Europa, e isso não era pouco, sob qualquer circunstância. Publicou um livro - Cozinheiro Moderno ou Nova Arte da Cozinha (¹) - que, para os padrões da época, fez enorme sucesso, alcançando sucessivas edições, em tempos nos quais muita gente, principalmente quem trabalhava na cozinha, não era dada a leituras, se é que sabia ler. Uma carreira notável, portanto, a desse chef.
Seu livro, porém, não continha apenas instruções para o preparo de comida agradável ao paladar de seus contemporâneos. Havia indicações para o preparo de "alimentos" que se propunham a contribuir para a manutenção e/ou recuperação da saúde, o que não é nenhuma novidade. Nos tempos antigos já eram feitas considerações nesse sentido. O curioso, mesmo, era a formulação dessas prescrições.
Na postagem anterior já foi mencionada, da obra de Rigaud, a "geleia de raspas de veado"; para divertimento de meus leitores, teremos hoje "um caldo para inflamações do peito", um "caldo de víboras para purificar o sangue" e, por último (para premiar os que conseguirem chegar até lá), um "caldo de rãs e de caracóis para tosses secas". Desnecessário recomendar, creio, que ninguém experimente, ao menos como medicação.

CALDO PARA INFLAMAÇÕES DO PEITO

"Ponha-se a ferver em uma canada de água um frango recheado com as quatro sementes frias pisadas, e depois de escumado, e o caldo reduzido a duas terças partes, passe-se por um guardanapo, esprema-se, e usem dele todos os dias, e pelo tempo que lhe parecer." (²)

CALDO DE VÍBORAS PARA PURIFICAR O SANGUE

"Tomem de chicória, pimpinela, cerefólio e alface uma mão cheia de cada coisa, lavem-se e cortem-se miúdas, ajuntem-lhe um frango e uma víbora esfolada viva, a que deitarão fora a cabeça, o rabo e as entranhas, reservando os fígados e o coração; ponha-se tudo a ferver em uma canada de água, e depois de ter fervido e a água estar reduzida à metade, coe-se por um guardanapo, divida-se em duas partes e tomem uma todos os dias em jejum. Deste caldo se poderá usar quinze ou vinte dias, purgando-se primeiro e no fim deste tempo." (³)

CALDO DE RÃS E DE CARACÓIS PARA TOSSES SECAS

"Lavem-se e ponham-se a ferver por um instante, uma dúzia de caracóis e duas dúzias de coxas de rãs; em tendo fervido, deitem-se em água fria, e depois pisem-se em um gral de pedra, e pisadas, ponham-se a ferver em uma canada de água com duas cabeças somente de alhos porós, cortados muito miúdos, ou quando não, dois ou três nabos cortados da mesma forma, e uma mão cheia de cevada pilada; em tendo fervido e estando o caldo reduzido, coe-se por um pano, mas não se esprema; deitem-lhe, antes de o tomarem, sete ou oito grãos de açafrão em pó, e tome-se pela manhã em jejum, e três horas depois de cear; o que se poderá continuar pelo decurso de um mês, ou seis semanas, purgando-se neste meio tempo, se for necessário." (⁴)
Depois disso, só resta dizer: Bom apetite, senhores...

(1) Para as citações desta postagem foi utilizada a seguinte edição portuguesa: RIGAUD, Lucas. Cozinheiro Moderno ou Nova Arte da Cozinha. Lisboa: Typografia Lacerdina, 1826.
(2) Ibid., p. 208.
(3) Ibid., p. 210.
(4) Ibid., p. 209.


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2 comentários:

  1. Respostas
    1. Ah, o blog precisa ter variedade de assuntos: algumas postagens são sérias, formais; outras podem ser até divertidas (acho que é o caso desta).
      Obrigada por mais uma visita. Um grande abraço...

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