sexta-feira, 6 de junho de 2014

Quem ia procurar ouro nas Minas?

A população que vivia nas regiões mineradoras do Brasil Colonial


A notícia de que se achara ouro no Brasil - não no litoral, ou perto dele, mas no interior - espalhou-se rapidamente. O Século XVII ia chegando ao fim e a situação da tesouraria real em Lisboa não era das melhores (grande novidade...). O próprio rei assumia esse fato, em carta a seus leais vassalos no Brasil, nas quais mandava procurar ouro, por estar "exausta a sua fazenda". Acenava com honrarias, já que outra coisa não poderia ser.
As leis sobre o direito de exploração das minas eram parte das Ordenações do Reino, mas diante da avalanche humana que correu ao interior do Brasil no rumo da miragem do ouro pouco podia uma lei distante que ninguém estava muito interessado em respeitar. Não espanta, pois que, quando finalmente Portugal resolveu tomar as rédeas da mineração, mandando governantes, estabelecendo jurisdições e impondo a criação de casas de fundição que assegurassem a quintagem do metal precioso, pipocassem rebeliões contra a autoridade lusa, como a Revolta de Filipe dos Santos, por exemplo, em 1720.
Vale observar que a Revolta de 1720 não foi, como já se tentou fazer crer, um movimento nativista que precedeu a luta pela Independência. Ao que tudo indica, Filipe dos Santos era português, e chegou a Vila Rica como tantos outros que sonhavam com riqueza. A rebelião aconteceu porque o representante luso, Conde de Assumar, simplesmente procurou impor a disciplina das leis, aliás bastante duras, mas que não eram muito diferentes no resto do mundo daquela época.
O que nos interessa, agora, é saber quem eram as pessoas que acorriam, em multidões, às minas. Temos uma boa descrição em Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas, de André João Antonil:
"Cada ano vem nas frotas quantidade de portugueses e estrangeiros para passarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil vão brancos, pardos, pretos e muitos índios, de que os paulistas se servem. A mistura é de toda a condição de pessoas: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento nem casa." (*)
É fácil perceber que, na ânsia febril de enriquecer, havia gente de toda e qualquer situação arriscando tudo para tentar a sorte nas minas. Até mesmo os religiosos, que se supunha dedicados a propósitos menos ligados à materialidade, estavam dispostos à aventura do ouro, ainda que isso significasse o sacrifício dos votos que haviam feito.
Essa era a gente das minas. Dessa gente se fez a primeira sociedade verdadeiramente urbana do Brasil, ainda que um tanto mutante: no dizer de Antonil, "como os filhos de Israel no deserto". Povoações surgiam, desordenadamente, quase de um dia para outro, aonde se anunciava um terreno promissor; declinavam igualmente rápido os povoados, sempre que as esperanças eram frustradas. Desnecessário é dizer o quão difícil era manter a ordem em tais lugares, nos quais os crimes mais absurdos viravam coisa corriqueira. Ao mesmo tempo, a riqueza arrancada da terra inspirava em gente devota o desejo de expressar, na construção de igrejas, o sentimento de gratidão.
Alguns desses ajuntamentos acabaram persistindo, tornaram-se cidades e vilas importantes, desenvolveram a cultura e a arte, bem como um estilo de vida próprio. Permanecem até hoje, como um testemunho do que a humanidade pode ter de melhor e de pior.

(*) ANTONIL, André João (ANDREONI, Giovanni Antonio). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1711, pp. 136 e 137.


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