domingo, 23 de fevereiro de 2014

Perfumes famosos e apreciados de antigamente

Embora não se possa ter certeza de quando, exatamente, começaram a ser usadas, sabe-se que os povos antigos amavam as substâncias aromáticas. Dá conta disso a legendária imagem das caravanas de camelos que circulavam pelo Oriente carregadas de especiarias para o comércio, o que não significa que apenas os orientais se interessassem por elas. É certo que não.
No Egito fazia-se largo emprego de substâncias aromáticas nos rituais associados à preparação dos mortos para o sepultamento; a região do Nilo constituía-se, por isso, em um mercado expressivo para mercadores que traziam uma vasta gama de substâncias, dentre as quais se destacava a mirra, em virtude de estar associada à ideia da ressurreição. Entretanto, o uso de aromas não estava vinculado apenas aos ritos religiosos ou funerários: quer de origem vegetal, quer animal, diferentes substâncias já eram combinadas para a produção de perfumes, cuja finalidade, além do aspecto cosmético, era simplesmente proporcionar prazer a quem os usava, pelo emanar de um odor considerado agradável. Esse último uso seria, pelos séculos afora, largamente difundido, e é, em grande parte, o que move até hoje a indústria de perfumes, em âmbito mundial.
Nos rituais dos hebreus os aromas tinham também lugar importante. Havia incenso e também óleo perfumado cujo destino era de caráter estritamente religioso. Designando as substâncias neles incluídas pelos nomes usuais na atualidade, devemos citar o azeite de oliva, a mirra, a canela do Ceilão e da China e o cálamo.
Para os gregos da Antiguidade, o aroma do
tomilho 
era capaz de infundir coragem
em quem devia ir 
à guerra
Já para quem acha que tomilho é apenas parte do trio de especiarias que constitui o mais perfeito tempero para pizzas, vale destacar que os gregos tinham, sobre o seu uso, outras ideias. O tomilho era por eles empregado para friccionar o corpo dos soldados antes das batalhas. A razão? Considerava-se que tinha a capacidade de energizar quem o usava, conferindo, por seu aroma, mais coragem e combatividade.
Ora, isso aponta para o fato de que já se compreendia, empiricamente, que diferentes aromas podiam ter propriedades terapêuticas, produzindo, alguns, uma sensação de calma e relaxamento, enquanto outros eram estimulantes. Entre os gregos, bem como entre outros povos, as substâncias aromáticas tinham também uso medicinal, como o revelam obras deixadas pelos mestres da medicina do passado, embora, nesse caso, seja necessário admitir que alguns usos podiam ser verdadeiramente desastrosos.
Na Europa a perfumaria viria a ganhar um enorme impulso a partir das Cruzadas, isso porque o contato com o vasto conhecimento dos árabes em assuntos relacionados à preparação de diversas substâncias foi decisivo para que, gradualmente, a química, como ciência, rompesse com a superstição. Uma composição aromática muito apreciada, pelas alturas do Renascimento, que poderia ser chamada de "perfume", como nós o entendemos, levava, entre outros itens, óleos essenciais de alfazema, rosas, bergamota e cravo.
O aperfeiçoamento da destilação, processo investigado desde fins dos tempos antigos e (re)aprendido através dos árabes, abriu as portas para uma verdadeira revolução na arte dos perfumes. Inicialmente produzidos em pequena escala, iriam, a partir do século XVIII, constituir-se em marcas famosas, algumas das quais subsistem até nossos dias.


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domingo, 16 de fevereiro de 2014

Joaquim Manuel de Macedo - um professor de História na capital do Império do Brasil

Se você acha que Joaquim Manuel de Macedo foi apenas um romancista do Século XIX - o sujeito que escreveu A Moreninha - está muito enganado. Macedo era, por formação, um médico, mas acabou professor de História no Colégio Pedro II. Fez fama com seus romances, que caíram rapidamente nas graças do público, mas escreveu também Lições de História do Brasil Para Uso dos Alunos do Imperial Colégio de Pedro Segundo, cuja primeira edição data de 1861. Nesse livro, é bom recordar, Macedo pretendia (pelos menos assim afirmava) ter seguido a História Geral do Brasil, de F. A. Varnhagen, o que deve ser entendido como sendo referência à primeira edição, já que a segunda, mais "definitiva", somente viria em 1872 - posteriormente, como se vê, à primeira edição da obra didática de J. M. de Macedo.
Aqui estão alguns trechos de seu livro, que dão uma ideia do que o professor Joaquim Manuel de Macedo andava a ensinar a seus alunos no Pedro II. Vejamos (*):

a) Crítica aos jesuítas (p. 40):
"Mas os padres da Companhia não paravam aí, e em sua orgulhosa ambição queriam ter no governador-geral do Brasil um instrumento de sua preponderância, e não sofriam pacientemente que essa autoridade contrariasse às vezes os seus interesses e os seus planos de futuro."
Além disso, assim se expressou com respeito à expulsão dos jesuítas de Portugal e seus domínios (pp. 205 e 206):
"Sem discutir o direito incontestável que assistia ao governo de Portugal para tomar essa transcendente medida, é fácil demonstrar que ela foi útil, e era necessária ao Brasil. Os jesuítas tinham sem dúvida prestado imensos serviços à grande colônia portuguesa da América; a época porém da sua conveniente intervenção ou já estava passada, ou eles não conheciam mais o limite, além do qual a sua influência de benéfica se tornava perigosa e intolerável; o seu interesse particular servira a causa da humanidade nos primeiros tempos coloniais; desde alguns anos porém mostrava-se em luta desregrada com os altos interesses do Estado; defendendo a liberdade dos índios, embora por conveniência própria, a Companhia tinha-se mostrado humanitária e civilizadora; mas depois abusando do seu poder sobre os rudes filhos do deserto, e deles fazendo uma coorte, que não hesitou em opor ao governo do rei, condenou-se, como uma instituição revoltosa e nociva, e provocou o raio com que a fulminou o Marquês de Pombal, a quem apoiaram as convicções de toda a população civilizada do país."

b) Sobre a "aclamação" de Amador Bueno (p. 107), servindo-se do assunto para doutrinar os meninos quanto a não deverem nunca incitar a multidão para uma mudança de governo:
"O desinteresse e a abnegação de Amador Bueno deixaram uma bela página à História do Brasil: ainda mesmo aqueles que explicarem o seu procedimento pelas probabilidades ou quase certeza de um reinado efêmero, pois que São Paulo não poderia manter-se independente, reconhecerão ao menos a força de ânimo e a nobreza do coração do homem, que resistiu ao encanto da ambição, e que não quis que se derramasse o sangue do povo para experimentar a fortuna, ou para, ainda mesmo por algumas semanas, ser o chefe de um Estado, e chamar-se rei; nunca se incita sem perigo a ambição dos homens, e aquele que assim incitado refreia a multidão que o procura e quer exaltar, presta um serviço relevante, e deve ser levado à posteridade."

c) Guerra contra os holandeses no Século XVII (p. 143):
"A insurreição já estava nos corações pernambucanos, quando Vidal de Negreiros correu a excitá-la. Os vigorosos motores dela foram o triunfo da nacionalidade portuguesa em 1640, e a influência da religião católica que os brasileiros não toleravam que continuasse a ser insultada e proscrita. O grito de guerra soltado por Vidal ao ligar-se a Vieira foi este: "Deus e liberdade!"
Assim pois a destruição do poder holandês no Brasil foi principalmente devida em boa parte aos erros dos próprios holandeses, e depois em máxima parte à impulsão dos dois nobilíssimos sentimentos: o da religião, e o do nacionalismo."
Recorde-se, apenas, que nos dias de Macedo estava em vigor a Constituição de 1824, segundo a qual o Catolicismo era religião oficial do Império do Brasil.

d) Quilombo de Palmares (p. 164):
"É provável, ou mesmo certo, que a imaginação de um ou outro escritor mais poético, que as relações de informantes exagerados por medo ou por gosto, enfeitassem os rudes quilombos com uma história romanesca de instituições, costumes e tendências generosas, que desafiam a curiosidade, e mesmo tal qual admiração.
[...].
Ocupando uma grande extensão, subdivididos em quilombos principais, no berço de dois dos quais se levantaram depois as vilas de Jacuípe e da Atalaia, os famosos Palmares chegaram a conter, segundo uns onze mil, e segundo outros até trinta mil escravos fugidos, e provavelmente desertores, e criminosos, e avultavam pois ameaçadores, oferecendo guarida e liberdade a quantos escravos queriam escapar ao domínio de seus senhores, e zombando do governo da Capitania que os não podia destruir."
A escravidão estava ainda em vigor no Brasil - duraria até 1888 - não sendo surpresa que, à época, os quilombos fossem condenados, porque eram vistos, em última análise, como um atentado à estabilidade econômica do Império. Além disso, o medo de uma revolta de escravos, de grandes proporções, não estava, de modo algum, ausente.

e) Repressão à Revolução Pernambucana de 1817 (p. 257), uma nova oportunidade para doutrinar os alunos contra qualquer ação no sentido de uma mudança no governo estabelecido:
"Aqueles que se arrojam a empunhar as armas contra o governo estabelecido, que o atacam em campo armado, tentando destruir as instituições, e perturbando a ordem da sociedade, expõem-se aos golpes da espada da lei, que os condena, e quando soa a hora tremenda do castigo, sofrem as consequências de seus próprios atos. Então é natural que se lamente a necessidade da punição, mas respeita-se a mão da autoridade que pesa sobre os culpados; então aplaude-se a anistia que regenera o condenado, e que o lava do crime no Jordão da clemência; mas se não vem a anistia, nem por isso a consciência pública desconhece o fundamento do castigo."
Quando a primeira edição foi publicada, não haviam chegado, ainda, os dias da maior efervescência quanto à campanha republicana. No entanto, fica evidente o propósito de incutir nos jovens estudantes o senso de obrigação quanto a preservar a Monarquia. Parece-me, todavia, que o efeito da "vacina" não foi lá muito eficaz: não poucos alunos do Colégio Pedro II prosseguiam seus estudos na Faculdade de Direito de São Paulo, de onde saíram muitos republicanos convictos.

***

Creio serem desnecessárias maiores considerações. Os leitores deste blog são gente esclarecida e em condições de analisar os trechos acima, citados apenas a título de amostragem. Vê-se que o conceito de ensino de História tem passado por consideráveis reviravoltas. E sabe-se lá por quantas outras ainda não há de passar!

(*) Todas as citações foram extraídas da seguinte edição: MACEDO, Joaquim Manuel de. Lições de História do Brasil Para Uso dos Alunos do Imperial Colégio de Pedro Segundo. Rio de Janeiro: Domingos José Gomes Brandão, 1863.


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domingo, 9 de fevereiro de 2014

A "hora da creolina"

Sino usado para anunciar a
"Hora da Creolina" em Manaus - AM
Fiquei sabendo desta história há algumas semanas, em Manaus - AM. Lá pelos começos do Século XX, a administração da cidade fechou um acordo com um fornecedor de carne verde (entenda-se, carne fresca), que tinha a obrigação de assegurar um certo padrão de suprimento.
Pois bem, no Mercado Público (atualmente Mercado Municipal), onde a dita carne era vendida, havia um sino com a finalidade de anunciar a "hora da creolina": ao encerrar-se a venda da carne verde, nos dias em que existia esse comércio, tocava-se o sino, anunciando que, a partir daquele momento, as vendas estavam suspensas, para que as mesas onde se cortava a carne fossem devidamente higienizadas. Com creolina, claro.


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domingo, 2 de fevereiro de 2014

O "fogão" dos tropeiros


Fogão tropeiro, de acordo com o
Museu Histórico

e Geográfico de Monte Sião - MG
Os ranchos eram essenciais aos tropeiros que, com suas mulas, garantiam a circulação de mercadorias pelo Brasil antes que, na segunda metade do Século XIX, as ferrovias fossem, gradualmente, permitindo a substituição do transporte feito por animais pelos vagões tracionados por locomotivas a vapor. Mas, na falta de um rancho para pouso, era necessário fazer algum tipo de acampamento, no qual se preparava o alimento para a noite e para consumo no dia seguinte.
Podemos ter uma ideia de como seriam esses acampamentos por este relato feito pelo Príncipe Adalberto, da Prússia, que esteve no Brasil em 1842:
"Depois de Macacu as plantações alternam-se com as capoeiras. Encontramos também alguns bivaques de tropas. Os muares estavam amarrados a altos moirões; as peneiras contendo o café e as selas ficavam empilhadas num montão quadrado. Por cima estavam estendidas peles que, excedendo-o de um lado e sustentadas por estacas, formavam tenda para os homens seminus, servindo durante a marcha para cobrir as cargas. Diante dela os tropeiros tinham levantado três estacas (¹), como se faz com as espingardas ensarilhadas, atadas no topo e entre elas pendia um caldeirão por cima do fogo." (²)
Tem-se, portanto, a descrição desse fogão improvisado de que se serviam os tropeiros: três estacas, distantes na base mas atadas na parte superior, para que o caldeirão de feijão com alguma carne pudesse ser cozido.
Fogão dos bandeirantes e tropeiros,
de acordo com 
o Museu da
Mina de Ouro de Araçariguama - SP
A técnica era a mesma nos ranchos, quando não havia algum enorme fogão a lenha disponível. Isso sabemos por informação de Saint-Hilaire, datada de 1822, na qual se descreve também o cuidado na arrumação da bagagem a cada nova tropa que chegava a um rancho no final de mais um dia de jornada:
"Quando chegam, os tropeiros arrumam as bagagens em ordem e de modo a ocupar o menor lugar possível (¹). Cada tropa acende fogo, à parte, no rancho e faz cozinha própria; antes e depois das refeições, conversam os tropeiros sobre as regiões que percorrem e falam de aventuras amorosas; cantam, tocam violão ou dormem envoltos em cobertas estiradas no chão sobre couros." (³)
O fato é que, a qualquer momento, outras tropas poderiam chegar e, sem esse cuidado, talvez não houvesse lugar para todos. Era um tipo de solidariedade entre gente acostumada às vicissitudes da profissão, além de evitar transtornos se, depois de feitas as acomodações, fosse necessário remover toda a bagagem devido à chegada de mais gente com suas mulas e cargas. Em todo o caso, a parada, à noite, em um rancho, atendia não apenas a necessidades de sobrevivência, como repouso e preparo de alimentos. Era também uma ocasião de sociabilidade, de dar e receber notícias, de pedir informações - não se podia, é claro, contar naquela época com guias impressos e mapas. Tropeiros experientes, hábeis nas rotas por estradas e trilhas tortuosas eram, portanto, muito valiosos.
 
(1) Técnica semelhante era usada em bandeiras e monções.
(2) ADALBERTO, Príncipe da Prússia. Brasil: Amazônia - Xingu. Brasília: Senado Federal, 2002, pp. 107 e 108.
(3) SAINT-HILAIRE, A. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 57.


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