sexta-feira, 24 de abril de 2015

Nero

Nero (37 - 68 d.C.) é bem conhecido como sendo o sujeito que incendiou Roma, embora não se possa ter certeza de que ele de fato fez isso. Incêndios em Roma não eram raros, mas o comportamento de Nero era tão tresloucado que não tornava difícil a alguém crer que, de alguma forma, estava ele envolvido com o tal incêndio, direta ou indiretamente.
Outros episódios da vida desse imperador romano são menos conhecidos, sendo porém mais facilmente comprovados. Temos aqui, senhores leitores, uma pequena coleção de suas façanhas, que servirão para dar uma ideia de quem foi esse indivíduo que, na Roma Antiga, teve em suas mãos - mãos muito jovens, diga-se de passagem (¹) - uma autoridade de vida e morte sobre a população do Império. E, a considerar tudo o que sobre ele escreveram vários autores, alguns contemporâneos e outros tardios, vê-se que tinha em bem pouca conta a vida de seus concidadãos, à medida que, com suas sentenças, espalhou a morte mesmo pelas mais ilustres famílias de Roma.

1)  Entre os romanos, esperava-se que aqueles que se encaminhavam à política fossem pessoas de conduta sóbria, discreta, até severa, e que dominassem a arte de falar em público. Nero, ao contrário, disse Tácito, "desde a infância seguiu outro caminho: esculpir, pintar, cantar e dominar a arte equestre; quanto a compor poesia, era capaz de ostentar algum conhecimento". (²)

2) Mais Tácito: "Os idosos, cujo lazer consiste em opor o passado ao presente, faziam ver que, entre os imperadores, Nero foi o primeiro a ter de servir-se da eloquência de um outro." (²)
Entenda-se: jovem demais ao chegar ao poder, Nero era incapaz de escrever os próprios discursos, que eram, então, preparados por Sêneca, seu professor.

3) É fato que Nero encomendou a morte da própria mãe, Agripina, porque achava que ela dava demasiados palpites em assuntos relacionados ao governo de Roma. Inicialmente,  foi feita uma tentativa de matá-la por afogamento, mas ela escapou, conseguindo nadar até a praia. Vendo que a estratégia original não dera o resultado que se esperava, Nero mandou homens até onde Agripina se encontrava repousando, que, a golpes de espada, puseram termo à sua vida.
Ocorre que Agripina não era nenhuma santa. Entre uma série de crimes e intrigas associados ao seu nome, consta, por exemplo, a participação na morte por envenenamento do imperador Cláudio, seu marido. Que família, essa!

4) Uma das grandes paixões de Nero era pilotar bigas ou quadrigas, para demonstrar sua capacidade de controlar os cavalos. Ora, esse esporte, na visão dos antigos romanos, não era nada conveniente à sobriedade requerida de um homem público, quanto mais de um imperador, de modo que Burrus e Sêneca, que cuidavam da instrução do ousado mandatário desde a infância, fizeram delimitar uma área no Vale Vaticano, para que ali, longe das vistas do povo, pudesse o jovem Nero dedicar-se à sua grande paixão.

5) Vaidoso ao extremo, Nero não tolerava  quaisquer palavras de oposição, fossem elas escritas ou proferidas. Valia a mesma regra para quem ousasse criticar o Senado. Assim, tendo alguém escrito críticas aos senadores e sacerdotes, o imperador fez queimar todos os livros encontrados que as continham, sendo seu autor banido da Itália. Tácito diz que os tais livros proibidos suscitaram, na época, muito interesse e curiosidade. Mais tarde, quando podiam ser lidos sem qualquer impedimento, já ninguém se interessava por eles.

6) Nero amava cantar e tocar. Para desespero dos conservadores, pôs-se a fazer apresentações públicas, esperando que seu grande talento fosse aclamado pelo povo romano. Não contente em exibir-se na capital do Império, foi a Nápoles, para uma apresentação no teatro local. Sucede que, após o show, e tendo acabado de sair toda a assistência, o teatro desabou completamente. Ah, se houvesse ocorrido pouco antes...

Há quem queira, hoje, melhorar a imagem pública de Nero, fazendo ver que, afinal, não era assim tão mau - os povos que viviam no Oriente pareciam tê-lo em grande apreço. A isso se pode responder, antes de qualquer coisa, que os do Oriente estavam longe o bastante para que não sofressem com seus desmandos do mesmo modo que os de Roma. A maior parte dos autores da Antiguidade é enfática em salientar a crueldade que marcou seu governo, ainda que mostrando algumas medidas sábias que adotou. Por último, é bom lembrar que a mania de ser uma celebridade grassava nos dias de Nero tanto quanto hoje, sempre havendo, portanto, quem se disponha a uma suposta "revisão" nos fatos e respectivas interpretações, ainda que sem nenhum fundamento sólido, desde que isso assegure notoriedade, visibilidade, popularidade...

(1) Ainda não tinha 17 anos quando se tornou príncipe (a que chamamos, hoje, imperador), como sucessor de Cláudio.
(2) TÁCITO,  Annales (tradução de Marta Iansen para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias).


Veja também:

4 comentários:

  1. Quanta informação útil! Ano passado eu tinha assistido no youtube um documentário da Discovery em que se abordava os principais imperadores de Roma, incluindo Nero, o qual foi o caso que mais me chamou atenção, pois se não me engano a mãe dele assassinou o seu esposo para que o Nero entrasse no poder. Também sabia dessa tentativa de Nero matar a sua mãe primeiramente por afogamento, se eu me lembre bem no documentário exibia que Nero destruiu o navio em que a mãe dele estava, e como no seu post, ela nadou até a margem. Uma outra cena que mais me chamou a atenção foi ver o Nero tocando harpa (ou algum instrumento parecido) na sua varanda enquanto Roma estava pegando fogo. Desde essa cena eu sempre me lembrarei de Nero haha! Gostei muito do post por tratar de um imperador jovem e ''problemático'' para governar uma sociedade como esta.

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    1. Nero era muito jovem quando chegou ao poder, mas não foi o único imperador romano que fazia coisas "malucas". Chega a ser intrigante quantos deles tinham comportamentos estranhos. Quanto à primeira tentativa de Nero de matar a própria mãe, foi exatamente como você disse. De acordo com Tácito, ele entrou em acordo com o capitão do barco, mas o golpe fracassou.

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  2. Caramba, quem tem uma família assim não precisa de inimigos. Mas é sempre um perigo colocar tanto poder nas mãos de alguém muito novo.
    Excelente post, como sempre.
    Um abraço
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    1. Acho que o problema não estava apenas na juventude. Poder demais não é bom em qualquer governante, independente da idade.

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