sexta-feira, 10 de abril de 2015

Pão e circo

Até batalhas navais eram realizadas para entretenimento dos romanos


Ouvem os estudantes em suas aulas de História que, para garantir que uma revolta social de grandes proporções não viesse a ocorrer em Roma, os governantes promoviam distribuições de trigo e espetáculos circenses de todo tipo, tais como corridas de bigas e combates de gladiadores, entre si e entre gladiadores e animais selvagens. Quanto mais sangrento o espetáculo, melhor. 
Isso tudo pode parecer um tanto simplista, mas é preciso recordar que, desde as grandes guerras de conquista durante a República, a entrada de muitíssimos escravos em Roma havia resultado em uma vasta população livre e desocupada. Havia gente sem fazer nada porque tinha escravos para fazer o trabalho, mas a a maioria dentre os ociosos havia perdido sua ocupação para os cativos. O temor de uma revolta social não, era, pois, descabido. 
Além disso, figuras que pretendiam ascensão política faziam realizar jogos e espetáculos às próprias expensas, com a finalidade de obter apoio popular. Geralmente funcionava (que o dissesse Júlio César). A morte de personagens ilustres também podia ser pretexto para circo. Em homenagem, claro, e não para festejar (oficialmente).
À medida que o tempo passava, simples lutas entre fortões escravizados já não pareciam ser o bastante - talvez estivessem cansando pela repetição - de modo que novos espetáculos foram inventados, sem muito limite à imaginação, apenas cerceada pelas condições tecnológicas da época (¹).
O fato é que cada novo imperador pretendia realizar jogos mais deslumbrantes que seus predecessores, tencionando fazer-se eternizar na memória dos contemporâneos, o que, convenhamos, não era grande coisa, sob o nosso ponto de vista, mas era essencial ao jogo político da época. A gastança era grande e a criatividade levou até à realização de batalhas navais para entretenimento dos desocupados. De acordo com Tácito (²), a primeira delas ocorreu nos dias de Augusto, mas o imperador Cláudio (³) foi mais longe, fazendo colocar duas esquadras, com milhares de homens (criminosos, não marinheiros "de verdade") para um combate sangrento no lago Fucino. Tudo foi arranjado para que os contendores não tivessem como fugir da batalha, e os mestres-pilotos viessem a demonstrar toda a habilidade em conduzir as embarcações, quer em uma abordagem para ataque, quer para escapar do contato com o inimigo. 
Para emprestar maior realismo à cena, a Guarda Pretoriana e muitos soldados a cavalo foram postados junto às margens, e, como se não bastasse, catapultas e outras máquinas de guerra, também instaladas junto ao lago, lançavam pedras e setas, como se esperava que ocorresse um uma batalha naval.
É quase desnecessário dizer que, para presenciar a luta, veio gente de toda a região, em tal quantidade que não se poderia facilmente contar, procurando lugar nas áreas mais elevadas, de onde o espetáculo podia ser melhor apreciado. O próprio Cláudio, acompanhado da imperatriz Agripina, assistiu a tudo. 
Resultado? Sucesso absoluto, de público e crítica. Não dá pra dizer que a banalização da morte é coisa apenas de nosso tempo.

(1) Que não eram tão limitadas quanto se poderia pensar: consta que, no coliseu, havia até mesmo um elevador para que animais selvagens de grande porte fossem colocados na arena.
(2) Annales, Livro 12.
(3) Ano 806 da fundação de Roma, ou 53 d. C.


Veja também:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.