sexta-feira, 15 de abril de 2016

Como eram as viagens terrestres antes da existência de ferrovias

Quem de vocês, leitores, gosta de viagens? Com elas, é possível conhecer pessoas, ampliar a visão de mundo, experimentar outras culturas. Entretanto, nem sempre as viagens foram vistas como uma opção interessante de lazer. Ao contrário, eram consideradas perigosas, e mesmo um risco à vida de quem tinha de fazê-las. É exatamente dessa época, anterior à implantação de ferrovias no Brasil, que veremos, agora, alguns fatos interessantes:
  • Havia viajantes ocasionais e viajantes profissionais. Entre os últimos estavam, certamente, os tropeiros, que conduziam mulas carregadas de mercadorias; entre os primeiros, iam, por exemplo, aqueles que precisavam tratar de algum negócio na Corte, estudantes que saíam do interior para frequentar instituições nas cidades maiores, políticos que iam exercer mandatos nas capitais das províncias ou no Rio de Janeiro, a capital do Império. Alguns iam a cavalo, mas as mulas, por sua resistência e preço geralmente baixo, tinham a preferência de muita gente como montaria para longos percursos.
  • Era mau negócio ser mula de tropeiro: além de terem de levar uma enorme carga às costas, as mulas corriam o risco de cair nos buracos que havia nas estradas. As infelizes que caíam, lá ficavam, e acabavam morrendo.
  • Poucas estradas tinham estalagens decentes em que os viajantes pudessem encontrar hospedagem: a maioria contava apenas com os ranchos de tropeiros, mas em alguns casos nem ranchos havia, só restando aos viajantes tentar abrigo em casa de alguma família. Se isso também falhasse, a única solução era acampar ou passar a noite ao relento, na expectativa de que não viesse tempestade.
  • As mulas eram usadas como cavalgadura por uma parte considerável dos viajantes do Século XIX. Nesse tempo, o costume de viajar em redes carregadas por dois escravos já não era tão frequente, a não ser no interior do Brasil. Entretanto, liteiras puxadas por cavalos ou mulas ainda tinham uso, principalmente para o transporte de pessoas doentes ou de senhoras que desconheciam a equitação.
  • Uma dificuldade grande surgia quando era preciso atravessar um rio que não tinha ponte. Nos lugares em que o movimento era intenso havia, às vezes, barqueiros com prática no transporte de passageiros; já os cavalos e outros animais eram, com a guia de gente experiente, conduzidos através da água. Acidentes não eram incomuns.
  • Vários autores do Século XIX mencionam o fato de que, ao contrário do que seria razoável supor, os piores pontos das estradas estavam perto das cidades e vilas. É que nesses lugares o movimento era maior, e, principalmente na estação das chuvas, havia lama e buracos monstruosos, de difícil transposição. Entretanto, pouca gente parecia se importar com o problema, e nem mesmo as autoridades administrativas cogitavam tomar providências para a instalação de algum tipo de calçamento apropriado.
  • Como o policiamento nas estradas do interior do Brasil era diminuto (quando chegava a existir), um dos maiores medos de quem viajava estava relacionado à possibilidade de encontrar um bando de salteadores, ou seja, ladrões "especializados" em roubar viajantes. Por esse motivo, sempre que possível, quem tinha a necessidade de fazer uma viagem procurava unir-se a alguma caravana. Ainda assim, uma vez ou outra, os furtos aconteciam, e o viajante lesado acabava descobrindo que o ladrão era algum acompanhante que parecia muito honesto.
  • Não havendo mapas confiáveis, os viajantes que desconheciam o caminho procuravam contratar guias. O problema é que muitos viajantes acabavam, tarde demais, descobrindo que seus guias não eram tão competentes quanto alardeavam, de modo que, às vezes, acabavam todos perdidos em meio às densas florestas que recobriam grande parte do Brasil. Essa era, leitores, uma situação de real perigo, principalmente se quem viajava não tivesse o cuidado de ter um suprimento de alimentos, roupas extras, alguns medicamentos e uma boa arma.
  • Comprar alimentos ao longo das estradas e rotas de tropeiros significava, quase sempre, pagar preços exorbitantes: quem tinha alguma coisa para vender sabia muito bem que os viajantes famintos acabariam pagando o que se pedia, mesmo porque não tinham alternativa. 
  • Não era bom negócio adoecer durante uma viagem. Se até nas cidades os cuidados médicos eram escassos, calcule-se então o que acontecia sertão adentro! Todo cuidado era pouco quando se tratava de evitar a picada de animais peçonhentos, que não eram nenhuma raridade nas estradas e trilhas no meio do mato.
Os leitores mais acomodados devem estar pensando que, se vivessem nesse tempo, provavelmente nunca sairiam de casa. De fato, a maioria das pessoas passava a vida toda na mesma localidade em que nascera, e os poucos que se atreviam a viajar eram vistos com admiração, em virtude das histórias que contavam. Podiam até exagerar um pouco, tão improvável era que aparecesse alguém para desmentir os tagarelas. A implantação de ferrovias iria, gradualmente, mudar esses hábitos tão forçosamente pacatos.


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