segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Missionários jesuítas como pesquisadores do território brasileiro no Século XVI

Quem vem primeiro à sua mente, leitor, quando se fala em exploradores e descobridores de riquezas no Brasil Colonial? 
Navegadores? Condenados a degredo? Náufragos? Bandeirantes?
Inclua em sua lista os missionários jesuítas, porque também eles andaram a investigar territórios nos quais, segundo se presume, jamais europeus haviam pisado, como foi o caso do interior da Capitania de São Vicente. Tinham suas expedições facilitadas porque contavam com o auxílio de indígenas, detentores de certo conhecimento da região. Como quase não havia caminhos terrestres, era frequentemente através de rios que viajavam e, nesse sentido, a existência do Tietê, um rio que corre rumo ao interior e não para o oceano, foi de grande valia.
Suas viagens eram empreendidas, primariamente, com o objetivo de fazer contato com grupos indígenas isolados que pretendiam catequizar. Na explicação de Anchieta, em carta escrita em São Vicente a 12 de junho de 1561, e tendo por destinatário o Geral dos jesuítas Diego Lainez, os missionários viajavam e visitavam os índios "por suas aldeias, parte pelos rios, parte por terra, com não pequeno trabalho [...]". (¹)
É certo que havia perigo nessas viagens. Na mesma carta dizia Anchieta que os caminhos para quem ia de São Vicente a Piratininga (²) eram "mui ásperos e despovoados, onde não há conversação senão dos tigres (³), cujas pisadas achamos muitas vezes frescas, por onde passamos" (⁴)
Mas não era só. Sendo a neblina, às vezes, tão intensa, era possível que alguém se perdesse em meio ao arvoredo. Seguimos ainda com a carta de Anchieta:
"Uma vez, depois de termos corrido todas as igrejas, partimos delas por terra mui de manhã, por poder vir à missa, que era domingo, e um irmão saiu adiante, o qual assim por saber mal o caminho, como pela grande escuridade das nuvens, que muito tempo do ano duram quase até dez horas e são frigidíssimas, pensando caminhar para casa, tomou o caminho em contrário e perdeu-se, sem achar caminho até quase meio-dia, que se desfez de todo a névoa [...]." (⁵)
Eventualmente jesuítas, na condição de capelães, acompanhavam expedições que iam ao interior. O padre Aspilcueta Navarro, segundo menção do também padre Simão de Vasconcelos, integrou, no Século XVI, uma entrada ao sertão, cuja meta era descobrir jazidas de metais preciosos. O próprio missionário é que pediu ao superior que entrasse em ação para que a ele, Aspilcueta Navarro, fosse dado lugar entre os expedicionários: 
"[...] Pede ao padre Nóbrega se aproveite da ocasião e o mande a ele com título de capelão daquela gente em busca de almas (pois outra semelhante não se acharia facilmente) e a explorar aqueles sertões e denunciar por eles a fé de Cristo, e que por esta via se faziam dois serviços, juntamente a Deus e ao rei, que não tinha capelão que mandar." (⁶) 
Procurariam ouro também os jesuítas? Muita especulação já se construiu a respeito, majoritariamente após a expulsão da Companhia de Jesus de Portugal e de seus domínios em 1759, quando se pretendia justificar a medida com base em um suposto interesse dos missionários em construir um império na América. Entretanto, em uma carta escrita em São Paulo de Piratininga em 1554, Anchieta dizia:
"[...] Agora finalmente se descobriu uma grande cópia de ouro, prata, ferro e outros metais, até aqui inteiramente desconhecida (como afirmam todos), a qual julgamos ótima e facílima razão, de que já por experiência estamos instruídos." (⁷)
Quem descobriu? Onde? Anchieta não diz, e há quem afirme que as tais minas teriam sido encontradas pela expedição chefiada por certo Francisco Bruza de Espiñosa. Se for esse o caso, as descobertas não valiam grande coisa, mas nessa expedição é que esteve o padre Aspilcueta Navarro como capelão. Já se vê, portanto, que, de um ou outro modo, os jesuítas podem ser contados entre os que exploraram o território brasileiro, ainda que, quase sempre, tivessem por objetivo principal a catequese, ao contrário de outros expedicionários, que assumiam declaradamente o propósito de descobrir riquezas minerais em razão do lucro que trariam.

(1) ANCHIETA, Pe. Joseph de, S.J. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933, p. 166.
(2) Caminho do Mar.
(3) Onças.
(4) ANCHIETA, Pe. Joseph de, S.J. Op. cit., p. 165.
(5) Ibid., p. 167.
(6) VASCONCELOS, Pe. Simão de S.J. Crônica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil vol. 1 2ª ed. Lisboa: Fernandes Lopes, 1865, p. 72.
(7) ANCHIETA, Pe. Joseph de, S.J. Op. cit., p. 49.


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