quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O "beija-mão"

O "beija-mão" na Corte do Rio de Janeiro ao tempo de D. João VI (¹)

O "beija-mão" era uma cerimônia que nós hoje consideraríamos ridícula, mas que já foi muito prezada no passado: nela, o monarca dava a mão a beijar a seus leais súditos, que para isso faziam fila e, conseguindo seu intento, tinham-se na conta de muito favorecidos.
Esqueçam o componente da brutal falta de higiene, que é preocupação nossa; antigamente quase ninguém dava muita importância para isso. Afinal, era mão do rei ou imperador... Está bem, havia gente que achava nojento, concordo, mas vamos adiante.
Segundo relato de Alexandre J. de Mello Moraes (²), D. João VI, durante sua estada no Rio de Janeiro (³), costumava realizar o beija-mão quase todos os dias, quando retornava ao Palácio de São Cristóvão, após seu passeio vespertino. Ao que parece, sempre que estava de bom humor, o rei demonstrava a maior complacência com o ritual, ainda que isso atrasasse um pouco a ceia, essa, sim, um acontecimento da maior importância em sua agenda. Quanto aos beijoqueiros, lá se iam, felizes da vida, a contar para meio mundo que haviam beijado a mão do rei. Em datas importantes o beija-mão era mais cerimonioso e acontecia no interior do palácio.
Com as devidas formalidades, o beija-mão prosseguiu no Brasil durante o governo de D. Pedro I, sendo a cerimônia restrita, em alguns casos, à gente da Corte, embora, em certos dias, fosse considerada geral, ou seja, para quem quisesse ou fosse admitido à presença de Sua Majestade. Um acontecimento nada desprezível, também referido por Mello Morais, é que, quando faleceu a imperatriz D. Leopoldina, houve beija-mão do cadáver, por parte dos filhos e da criadagem.
O Príncipe Adalberto da Prússia, que esteve no Brasil em 1842 e teve a oportunidade de presenciar um beija-mão na data comemorativa da Independência, quando o imperador era o jovem D. Pedro II, observou: "Vieram então os militares e civis por corporações para o beija-mão." (⁴) 
A ocasião era muito importante e, por isso, leitores, nada de esperar a quase informalidade do beija-mão ao pé da escada em São Cristóvão, como no "tempo do rei". Vê-se apenas que, malgrado o passar dos anos, a mania de oscular devotamente a mão do monarca continuava em vigor. Lembremo-nos de que, em 1842, Robert Koch nem havia nascido - só veio ao mundo no ano seguinte - mas faria, ao longo da vida, um trabalho notável para informar à humanidade a existência de coisas tão minúsculas que, mesmo não estando ao alcance da vista, tornavam o beija-mão muito pouco recomendável.

(1) A.P.D.G. Sketches of Portuguese Life London: Geo. B. Whittaker, 1826.
(2) MORAES, Alexandre José de Mello. Crônica Geral do Brasil vol. 2. Rio de Janeiro: Garnier, 1886, pp. 155 e 258.
(3) 1808 - 1821
(4) ADALBERTO, Príncipe da Prússia. Brasil: Amazonas - Xingu. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 58.


Veja também:

4 comentários:

  1. E por falar em osculações pouco higiénicas, que tal a Páscoa e o seu menino Jesus que passa de casa em casa e boca em boca? Ainda perfeitamente aceitável um pouco por todo o Portugal. Afinal, é o Salvador!
    Abraço
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    1. Se fôssemos fazer um inventário de todas as práticas tradicionais que podem comprometer a saúde, acabaríamos escrevendo o equivalente a algumas das antigas listas telefônicas...

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  2. Tenho visto pessoas só denigrindo a imagem do D. João VI por gostar de comer coxa de galinha. Na época não existia churrasco. Se existisse garanto que ele comeria somente churrasco. Diferente dos políticos de hoje. enchendo a cara de uísque e de drogas.
    Tem pessoas que ficam denegrindo seu pais e seus Imperadores pois foram estes que ao menos fizeram algo. Por desfazer sua Pátria tem aí um monte de políticos fazendo merda no Brasil após do ultimo Imperador do Brasil. D. João VI era neto de D. José I que morreu em 1777 . D. Jose I foi pai de D. Maria I e esta rainha teve um filho primogênito chamado José que não reinou porque morreu e então D. João VI como irmão dele. Ele que herdou o trono da mãe, que ficou doente em 1792. D. João como regente e partiram para o Brasil devido às invasões francesas em 1807. Se D. João VI era feio e gordo mas foi ele o que teve coragem e fez de uma colônia portuguesa, a Reino Unido de Portugal e Algarve. Fez uma obra notável no Brasil. Há livros sobre isso só pesquisar.
    D. João era calmo, paciente, sabia ouvir, habilidoso e moderado no trato pessoal. Sabia de suas limitações, e isto é prova de inteligência, cercava-se de assessores competentes. No Brasil, declarou guerra à França, anexou o Uruguai e a Guiana Francesa. Em nenhum tempo o Brasil foi tão grande quanto na época de D. João VI. Criou centros de fomento à cultura, como a Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional, o Real Gabinete Português de Leitura, criou estaleiros, fábricas de pólvora, metalurgias, reformou a administração, a arrecadação e propugnou por saúde pública gratuita. Saneou a Baixada Fluminense pela primeira vez e se preocupava com a condição dos escravos, dos quais Carlota Joaquina, sua mulher, tinha particular aversão. D. João VI foi um homem à frente do seu tempo. Uma pena eu tem pessoas que não são patriotas sabem denigrir seu país.
    D. João vi foi o maior líder político do século XIX. Façam pesquisas primeiro n as literaturas portuguesas originais, que vocês saberão sua potencialidade. Se o Brasil tem progresso hoje em dia foi graça e sua descendência como D.Pedro I, Pedro II e a Princesa Isabel .

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    1. Olá, Helmtraut Bäringer,
      É fato que têm proliferado livros em que o rigor histórico é o que menos interessa, sem ancoragem documental e analiticamente pobres. Ocorre, porém, que um dos maiores defeitos dessas obras está em dar aos leitores a impressão de que umas poucas pessoas foram responsáveis por todos os acontecimentos, pelos rumos do Brasil e, no limite, até pelos destinos do mundo... Mas há também um grande número de obras excelentes, escritas com inegável competência, e, portanto, úteis e esclarecedoras para quem se interessa pela história do Brasil. Merecem, portanto, ser lidas. Os leitores em potencial é que devem decidir com que tipo de livros gastarão seu tempo e seu dinheiro.
      Sem entrar no tema do que é ou não patriotismo (que não está em questão neste blog) será útil, acredito, estabelecer alguns pontos:
      1. A história, por assim dizer, não é feita simplesmente por indivíduos isolados, por mais talentosos que sejam, ou cruéis, incompetentes, etc.;
      2. D. João, D. Pedro e outras figuras políticas não foram perfeitos, tampouco um poço de defeitos - eram humanos, com falhas e virtudes. Seus atos como governantes é que devem ser analisados, mas como parte de um processo histórico mais amplo. Naturalmente que, no estudo dos grandes eventos, há espaço para os episódios curiosos, capazes de despertar o interesse do grande público, desde que não sejam o único aspecto a ser abordado. Então, nesse sentido, as preferências gastronômicas de D. João VI podem ser divertidas, mas não são assunto de Estado. Questão de Estado seriam as excessivas despesas com a cozinha real no período joanino, que consumiam recursos preciosos, um assunto devidamente documentado e que aconteceu no Brasil pelas circunstâncias da política internacional no começo do Século XIX, mas que poderia ter sido no Reino (Portugal).
      3. Vale a pena analisar os fatos pelo que eles foram ou são, e não só pelo que deveriam ter sido. Estudo do passado, sim. Saudosismo, não.
      4. É necessário evitar generalizações. Não há dúvida de que o Brasil precisa de uma ampla reestruturação em sua vida cívico-política, mas não seria justo supor que todo e qualquer cidadão que exerce um cargo eletivo é indigno do posto que ocupa. Felizmente, não é o caso.
      Eu teria muito mais a dizer, mas há um limite de caracteres para os comentários :-)))
      Obrigada por sua vista ao blog e por seu comentário. Apareça aqui outras vezes!

      Aos leitores em geral:
      Quero reforçar o compromisso deste blog com a liberdade de expressão de seus leitores, desde que haja respeito a diferentes pontos de vista. E, por favor, mantenham a linha no vocabulário, sim?

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