quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Como devia ser dado o aviso de incêndio na capital do Império do Brasil

Quem vivia na capital do Império do Brasil no Século XIX não veria, em caso de incêndio, viaturas modernas e bem-equipadas, em alta velocidade, conduzindo bombeiros em direção ao local do sinistro. Tampouco ouviria o som estridente das sirenes pedindo passagem. Não havia, ainda, veículos automotores, de modo que, para apagar o fogo, o sistema era bem diferente do de hoje, apesar de um tanto complexo. 
De acordo com o Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro Para o Ano de 1871, o Regulamento de 30 de abril de 1860 estipulava que o sinal de fogo seria dado:
"1º Pelo toque do maior sino da igreja que primeiro souber.
2º Pelo toque do maior sino da igreja matriz da freguesia em que se manifestar o incêndio.
3º Pelo toque do sino grande da igreja de S. Francisco de Paula.
4º Por sinais do morro do Castelo do lado do mar, do seguinte modo:
Se for de dia, o sinal será seguido de uma bandeira encarnada, içada no mastro grande, a qual se conservará enquanto durar o incêndio. Sendo de noite, colocar-se-á uma lanterna encarnada no topo do dito mastro, a qual se conservará acesa até extinguir-se o incêndio. Estes sinais serão feitos de modo a serem bem vistos do lado do mar." (¹)
Observem, leitores, a importância que tinham os sinos das igrejas - eram muito mais do que sinalizadores do horário de serviços religiosos. Percebe-se, também, que o aviso era dado através de sinos, não só porque não havia modo mais eficiente, mas porque se esperava que todos os que pudessem, ajudassem prontamente nos trabalhos para apagar o fogo, embora nesse tempo já houvesse gente especializada, ou seja, já havia bombeiros que recebiam treinamento específico. Outra observação pertinente é que a bandeira ou lanterna "encarnada" que devia ser usada no morro do Castelo significa simplesmente bandeira ou lanterna vermelha. 
Como saber, porém, que o toque dos sinos avisava de um incêndio e não de qualquer outro acontecimento? O mesmo Regulamento fazia especificações nesse sentido:
"O toque dos sinos constará do número de pancadas seguidas, correspondente ao número de cada freguesia, repetindo-se este toque com intervalo de um minuto. Assim, para indicar o fogo na freguesia nº 1, o toque será de uma badalada, repetida clara e distintamente de minuto em minuto; na freguesia nº 2, será de duas badaladas repetidas com o mesmo intervalo de um minuto, e assim por diante (...)." (²)
Apenas como curiosidade, leitores, vejam a tabela abaixo, na qual estão listadas as freguesias existentes na época, e a respectiva numeração:


Imaginem, agora, o que seria um aviso de incêndio na última freguesia da lista: Dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom - um minuto em silêncio - dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom... Era preciso ouvir com atenção, não fosse o caso de alguém fazer a conta errada e ir para um lugar muito diferente daquele em que se propagavam as chamas.

(1) HARING, Carlos Guilherme. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro Para o Ano de 1871. Rio de Janeiro: E & H Laemmert, 1871, Suplemento, p. 155 e 156.
(2) Ibid., p. 156.


Veja também:

2 comentários:

  1. Hoje perderam um pouco da sua utilidade, mas podem ainda ser muito maçadoras. Eu moro perto de uma igreja que me acorda por volta das 7 da manhã todos os domingos... Ninguém merece!
    Beijinho, boa semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    1. Hmmm, na minha infância, morava perto de uma igreja cujo carrilhão iniciava o concerto às 6 h 30 min - todos os dias.

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