terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Algumas causas de doenças e morte entre militares brasileiros na Guerra do Paraguai

Recrutamento militar compulsório não é e nunca foi uma coisa simpática. Não seria preciso que fosse compulsório se a maioria das pessoas em idade militar comparecesse voluntariamente. Mas, pela época da Guerra do Paraguai (¹), o recrutamento era motivo de pânico. Na iminência de ir à força para a guerra, havia rapazes que se escondiam no mato, e mesmo aqueles que se submetiam a alguma mutilação que os incapacitasse para o combate. 
Não pensem, leitores, que tudo isso era devido a alguma ideologia pacifista. O recrutamento em si era brutal, em particular quando se tratava de arrastar indígenas para compor as forças armadas. Vejam este relato feito por Elizabeth Cary Agassiz no final de 1865:
"Tivemos esta manhã uma triste prova da brutalidade com que aqui se procede ao recrutamento. Bem nos haviam dito! Três índios, que foram presos em Pedreira, e que desde alguns dias aguardavam ocasião de serem enviados para Manaus, foram trazidos para bordo do nosso navio. Esses infelizes tinham as pernas presas num grosso barrote de madeira, contendo orifícios que mal davam para deixar passar os tornozelos." (²)
O fato de que a mesma Elizabeth Agassiz mencionasse que o comandante do navio tomou providências para melhorar a situação dos três indígenas em nada atenua o modo como haviam sido recrutados. Ora, não era apenas o medo de morrer em um campo de batalha que aterrorizava essa gente. Havia mais.
Os combates se mostravam árduos e, obviamente, havia baixas, mas eram as doenças e a falta de suprimentos para cuidados médicos e alimentação que mais contribuíam para infundir terror entre os recrutas. Será bom se considerarmos o que escreveu um combatente, o Barão de Tefé (³), comandante da canhoneira "Araguary" na Batalha do Riachuelo, ocorrida em 11 de junho de 1865:
"Termina hoje o mês mais glorioso para nossa esquadra em operações: o mês do Riachuelo!
Um mês de fogo, fome e peste!
Com efeito, desde o fim de maio [de 1865] que as febres palustres, a varíola e a colerina dizimam as nossas guarnições, e não serei certamente exagerado se afirmar que temos perdido mais gente de moléstias do que nos cinco combates: 25 de maio, 11, 13, 14 e 18 de junho." (⁴)
Depois, acrescentou:
"[...] Desde o 1º deste mês [de junho] estamos a meia ração. E qual é esta ração? Carne-seca ou bacalhau; feijão, farinha e arroz; café, açúcar mascavo e bolacha...
Alimentação suportável quando em bom estado, porém simplesmente repugnante depois de encerrada durante quatro meses em paióis onde a temperatura é impossível!
[...].
E nestas condições as poucas horas de repouso nos são disputadas pelos ferozes mosquitos que em nuvens compactas nos assaltam apenas adormecemos." (⁵)
Não duvido de que alguns de vocês, leitores, estejam considerando que Dante "pegou leve" ao descrever o Inferno. Veem, agora, por que motivo havia fugas desesperadas quando os recrutadores chegavam a uma localidade? Lembrem-se, porém, de que em 1865 a Guerra estava apenas começando. Iria até 1870.

(1) 1864 - 1870.
(2) AGASSIZ, Jean Louis R. et AGASSIZ, Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil 1865 - 1866. Brasília: Senado Federal, 2000, p. 317.
(3) Antônio Luís von Hoonholtz, primeiro-tenente na ocasião da Batalha do Riachuelo. Mais tarde receberia o título de Barão de Tefé.
(4) HOONHOLTZ, Antônio Luís von (Barão de Tefé). A Batalha Naval do Riachuelo. Rio de Janeiro: Garnier, 1865, p. 136.
(5) Ibid., p. 137.


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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Deuses gregos não gostavam de gente preguiçosa

Consequências da ociosidade entre povos antigos


Está em Os Trabalhos e os Dias, de Hesíodo, poeta grego que, presume-se, viveu entre os séculos VIII e VII a.C.:
"Os desocupados são detestados tanto pelos deuses como pelos homens; são parecidos com os zangões que não têm ferrão, não trabalham e ainda se alimentam do produto do trabalho das abelhas. [...] Deuses e homens odeiam preguiçosos. É a ociosidade, e não o trabalho, que torna alguém vil." (*)
Convenhamos, leitores, que a opinião é compreensível, já que a ideia de Hesíodo era dar conselhos para que agricultores fossem bem-sucedidos em suas tarefas. Não sei, porém, se os deuses gregos teriam autoridade moral para censurar a preguiça (de que é, mesmo, que eles se ocupavam no Olimpo?); mas, antes de seguir em frente, será preciso fazer justiça aos zangões. É fato que não têm ferrão e que não são capazes de produzir mel e cera - sua principal função está relacionada à reprodução da espécie a que pertencem. Todavia, colaboram na defesa da colmeia, o que não é pouco. Finalmente, é justo reconhecer que os zangões são assim porque nascem assim, não escolheram ser desse modo - situação muito diferente, portanto, daquela dos humanos preguiçosos, que até poderiam ser outra coisa, mas não querem.
O que Hesíodo não tinha como prever é que, em diferentes civilizações, os seguidos triunfos militares, que acarretaram escravização em massa de inimigos vencidos, levariam o trabalho a ser visto, na mentalidade dominante, como algo reservado a cativos e, portanto, indigno de cidadãos livres. A ociosidade logo seria valorizada e, mais que isso, ambicionada. Ainda que esse fenômeno tenha ocorrido na Grécia, dificilmente haverá melhor exemplo que o de Roma Antiga.
Não é sem causa que vários autores dos séculos imperiais fizeram referências saudosas aos primeiros tempos da Cidade, quando mesmo os reis eram agricultores e, quer manejando a espada, quer o arado, eram sempre eficientes. A avalanche de escravos gerou ócio e desemprego, daí as revoltas sociais e a necessidade de políticas de entretenimento e de distribuição de trigo para os que não tinham ocupação. Em longo prazo, ainda que não isoladamente, esse grande erro resultou em declínio e queda do Império. Vejam, pois, que, seja no âmbito pessoal ou nas questões de Estado, preguiça e falta de ocupação nunca produziram coisa muito boa. Ainda que não devessem ser imitados, os deuses gregos tinham lá sua quota de razão.

(*) O trecho citado de Os Trabalhos e os Dias é tradução de Marta Iansen para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

A província de São Paulo tinha exportações modestas em meados do Século XIX

A edição de 16 de abril de 1852 do jornal Aurora Paulistana trouxe esta tabela com os preços praticados nos gêneros de exportação que podiam ser encontrados no porto de Santos, na Província de São Paulo:


A lista de gêneros exportáveis incluía aguardente, arroz, açúcar, café, chá, canjica, farinha de mandioca, farinha de milho, feijão, fumo, lenha, mate, meios de sola, milho, pano de algodão, queijos e toucinho. Muito pouco, já se vê, e ainda que seja razoável supor que, mesmo não sendo mencionados na lista, outros itens de menor expressão também estivessem disponíveis, fica claro que absolutamente nada era resultado de alguma atividade industrial muito complexa - predominavam artigos provenientes da agricultura. A mesma tabela permite ainda constatar que o porto de Santos, além de escoar a produção originária da Província de São Paulo, exportava, também, o que vinha de Minas Gerais e de outras áreas adjacentes. 
Tropas de mulas eram, na maioria dos casos, as responsáveis pela condução das mercadorias, do local de origem ao porto. Além disso, "exportar", nesse contexto, não significava, necessariamente, enviar o que quer que fosse para outros países. Podia ser referência ao comércio entre diferentes províncias do Império.
Vejam, leitores, que sendo tão pobre a pauta de exportações, será justo considerar que não podia ser grande coisa a de importações. Afinal, quem não vende também não tem como comprar. Mas esse cenário logo iria sofrer uma mudança radical. Causas? Café e ferrovias.
Quando as lavouras de café atingiram o chamado "oeste paulista", a produção explodiu. Havia mercado, as exportações de café cresceram, mas a dificuldade de escoar a produção até o porto de Santos era enorme, sem falar no quanto a mercadoria, transportada por muares, se deteriorava, exposta às intempéries, até que, serra abaixo, finalmente fosse embarcada. 
A implantação de ferrovias mudou esse cenário (¹). O café podia ir em maior quantidade, de lugares mais distantes (onde as condições de clima e solo eram favoráveis à lavoura), e chegava ao porto mais rápido e sem grandes danos. O custo do transporte ferroviário compensava. E, maiores vendas, maiores lucros... As importações cresceram (²), com um número significativo de artigos de luxo para atender à demanda dos novos senhores do café e de suas famílias. A urbanização tomou impulso, a vinda de imigrantes foi considerada uma solução para a crescente demanda por mão de obra. Grandes transformações, é verdade, e, junto delas, novos problemas (como sempre acontece), alguns deles tão teimosos que persistem até hoje.

(1) A inauguração completa da ferrovia entre Santos e Jundiaí pela São Paulo Railway Company ocorreu em fevereiro de 1867.
(2) Uma ideia das importações e exportações a partir da implantação de estradas de ferro pode ser obtida pela leitura da seguinte postagem: O que se transportava nas ferrovias paulistas no Século XIX.


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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

As festas de aniversário dos antigos persas

Não se pode acreditar em tudo o que Heródoto dizia. Ele próprio, embora assegurasse que procurava encontrar testemunhas confiáveis, não se dispunha a assumir a responsabilidade pelas informações, alegando que apenas contava aquilo que ouvia. A despeito disso, suas Histórias são muito interessantes e, sob vários aspectos, corroboradas por outros autores da Antiguidade e por pesquisas posteriores, tanto no campo da História como no da Arqueologia, ainda que alguns dos relatos contenham tolices cabeludas. Isto posto, leitores, o assunto de hoje é a comemoração de aniversários de nascimento entre os antigos persas - de acordo com Heródoto, é claro.
Como ainda acontece, a celebração de um aniversário dependia da situação econômica do aniversariante e de sua família. Outras datas também tinham festejos, mas a do nascimento seria, entre os persas, a favorita. Se o aniversariante era um sujeito rico e importante, convidava muita gente, e as mesas eram cobertas com animais inteiros (por suposto, depois de abatidos e assados). Heródoto menciona que a comilança incluía bois, jumentos, cavalos e até camelos. Que apetite!
Por outro lado, se o aniversariante não tinha recursos para tais acepipes, ainda assim festejava a data, com menos animais e de menor porte... Quem de vocês, leitores, aceitaria o convite?


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terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Dois europeus entre os tupinambás no Século XVI

Indígenas que viviam junto ao mar e a chegada de embarcações europeias,
de acordo com ilustração publicada na edição 
de 1557 de Zwei Reisen nach Brasilien

Hans Staden e Jean de Léry foram dois europeus que, no Século XVI, viveram entre os tupinambás, indígenas que habitavam áreas do litoral brasileiro.
Staden, alemão, depois de algumas aventuras entre marinheiros na costa do Brasil, foi contratado como artilheiro de um pequeno forte português. Caiu prisioneiro dos tupinambás, e, por isso, já se vê que sua permanência entre eles não foi voluntária. Por muito pouco não foi devorado em um festim antropofágico. De volta à Europa, publicou um livro conhecido como Zwei Reisen nach Brasilien (¹), cujo longuíssimo título da primeira edição deixava claro o teor da obra:  "História verdadeira e descrição de uma terra de selvagens nus, ferozes e devoradores de homens"...
O caso de Jean de Léry é bem diferente. Francês, veio ao Brasil para viver na colônia que protestantes tentavam fundar no litoral do Rio de Janeiro. A colônia fracassou, mas Léry, que assim como Hans Staden, retornou à Europa, publicou um livro muitos anos depois, ao qual deu o título de Histoire d'un Voyage Faict en la Terre du Brésil (²). Como os franceses andavam em boa paz com os tupinambás, Léry pôde viver tranquilamente entre eles, sem que seu relato fosse afetado pela sensação de medo inerente a quem corria o risco de, a qualquer momento, ser abatido para o jantar, como era o caso de Staden. Apesar disso, ambos os autores concordam na maioria dos pontos que descrevem em relação aos hábitos e costumes dos indígenas com quem, voluntariamente ou não, conviveram.
Sabemos, assim, que os tupinambás praticavam uma agricultura rudimentar; quando ao estabelecimento de aldeias, deveriam ser considerados seminômades, porque, quando esgotavam os recursos alimentares que podiam ser obtidos mediante a caça e a coleta, construíam novas habitações em um lugar não muito distante daquele que ocupavam (meia légua, quando muito, segundo Léry). A construção de novas casas era, além disso, uma necessidade, já que os materiais empregados habitualmente não eram muito duráveis.
Por outro lado, o fato de que Jean de Léry podia andar com liberdade entre os tupinambás favoreceu a obtenção de informações detalhadas quando ao quotidiano dos indígenas: tinham por hábito guardar estrito silêncio durante as refeições, que nunca eram acompanhadas da ingestão de líquidos; se desejavam manifestar grande respeito por alguém, jamais comiam em sua presença. Parece estranho? Talvez, e até mesmo o oposto do que pode ser dito em relação a muitas outras culturas - sem esquecer que os tupinambás eram também adeptos da famosa choradeira quando alguém retornava de uma viagem, fenômeno já mencionado em outra postagem neste blog.
Então, leitores, não há dúvida de que os registros feitos por Hans Staden e Jean de Léry são, ainda hoje, de muito interesse, até porque, como não estavam sujeitos às implicâncias e à censura do Desembargo do Paço e da Inquisição, foram escritos com uma liberdade da qual os autores portugueses contemporâneos não desfrutavam.

(1) Duas Viagens ao Brasil.
(2) História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil.


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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Um episódio pouco ecológico na guerra entre romanos e gauleses

Foi ao final de um verão, no tempo das guerras entre romanos e gauleses. O próprio Júlio César (¹) descreveu os acontecimentos em De Bello Gallico e, embora tenhamos o direito de suspeitar de algum favorecimento à presteza e valentia de seus soldados, sabemos que, em linhas gerais, sua narrativa corresponde aos fatos. 
Depois que as forças de Roma tinham derrotado a maioria dos gauleses, havia ainda uns poucos grupos que teimavam na resistência (²). Tendo observado que o confronto aberto contra os romanos sempre redundava em fracasso, decidiram buscar abrigo dentro dos espessos e nevoentos bosques das Gálias. César julgou que a vitória viria facilmente, mas estava enganado, e cometeu o equívoco de mandar que seus homens construíssem fortificações junto aos bosques. Vejam, leitores, que mesmo um hábil comandante também errava, e não tardaria a pagar o preço de sua falha. Em um momento no qual os romanos trabalhavam despreocupados, hordas de gauleses, saindo dos bosques, iniciaram o combate, atraindo os oponentes para uma área em que era densa a vegetação. Em consequência, o exército de César sofreu baixas consideráveis, ainda que o mesmo tenha sucedido aos gauleses.
Por entender que a soldadesca teria mais sucesso se lutasse em campo aberto, César deu ordem para que desbastassem os bosques, tendo o cuidado de empregar a madeira deles retirada na construção de obstáculos que impedissem qualquer tentativa de um ataque de surpresa. 
Tudo resolvido? Longe disso.
É verdade que os romanos já davam a pilhagem como coisa garantida, mas os gauleses, espertamente, buscaram refúgio em meio ao mais remoto e sombrio arvoredo. Para complicar a situação, sobrevieram chuvas torrenciais, que contribuíram para inviabilizar a sobrevivência dos romanos em seu acampamento de verão. Ao perceber que a vitória completa era impossível naquele momento, César, que já adotara a prática pouco ecológica de arruinar os bosques, ordenou que os campos de cultivo das adjacências fossem inutilizados, sem que fosse esquecido o procedimento tão comum nas guerras da Antiguidade de colocar fogo em toda e qualquer construção (³) que houvesse pela frente. Depois disso, por não estar disponível melhor solução, conduziu seu exército para os quartéis de inverno. Não seria dessa vez que os audaciosos gauleses seriam completamente batidos.

(1) 100 a.C. - 44 a.C.
(2) Não, leitores, não era aquela famosa vilazinha...
(3) Casas, celeiros e estábulos.


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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

A navegação a vapor em águas do Brasil

Quem teria inventado a primeira embarcação a vapor? A resposta dependerá, talvez, de pruridos nacionalistas, mas há certo consenso de que Robert Fulton, norte-americano que não inventou nenhum barco a vapor, foi quem venceu a resistência dos medrosos ou incrédulos, e tratou de colocar a invenção em uso prático ao implantar, no começo do Século XIX, uma linha que fazia a ligação entre Nova York e Albany. A despeito de todos os prognósticos de fracasso, o barco de Fulton funcionou.

O barco de Fulton, conhecido como "Clermont", ao partir para a primeira viagem (¹)
Aviso da partida de
embarcações
a vapor no ano de 1852 (³)
No Brasil, ainda que embarcações estrangeiras a vapor tenham chegado aos portos antes disso, a navegação nacional a vapor parece ter começado em 1836, de acordo com Adolpho Augusto Pinto, em sua História da Viação Pública de São Paulo:
"A Companhia de Nictheroy, vencendo os embaraços que comumente se oferecem a qualquer empreendimento novo, conseguiu estabelecer e tinha funcionando, em 1836, um serviço mais ou menos regular de navegação a vapor, não só dentro da baía do Rio de Janeiro, como nas seções do Norte e Sul da Província.
Tal foi a primeira empresa de navegação a vapor que se fundou no Brasil." (²)
O mesmo autor refere ainda alguns fatos interessantes a respeito do início da navegação a vapor em águas brasileiras::
  • A citada Companhia de Nictheroy dispunha de duas pequenas embarcações, cujos nomes eram Paquete do Norte e Especuladora;
  • É provável que uma dessas duas embarcações tenha sido a primeira movida a vapor que fez entrada no porto de Santos, na então Província de São Paulo;
  • Embora fosse de bandeira inglesa, e não brasileira, a fragata Warspite, que conduziu D. Pedro I em seu retorno à Europa em 1831, era já movida a vapor;
  • Em contrato estabelecido em 1837, a Companhia Brasileira de Paquetes a Vapor obteve o direito de prestar serviços de navegação ao longo de todo o litoral brasileiro;
  • A primeira linha regular de navegação entre o Brasil e a Europa foi estabelecida mediante acordo celebrado pelo Império com o governo da França em fins de 1843.
Sim, leitores, são curiosidades, mas curiosidades que mostram o ritmo da modernização no Brasil do Século XIX. 
Será útil recordar, finalmente, que as embarcações a vapor que circulavam em águas do Brasil usavam, a princípio, carvão importado da Inglaterra, e nem é preciso dizer o quanto esse fato era responsável pelo custo dos serviços prestados. Mais tarde, porém, foram feitos experimentos para uso de madeira em lugar de carvão, não só para embarcações, mas também para atendimento às locomotivas, de modo que, após algumas adaptações, a modificação veio a ser viável e amplamente adotada em algumas áreas, como foi o caso da bacia amazônica.

Embarcações a vapor, com velas e mistas em Belém do Pará, Século XIX (⁴)

(1) KNOX, Thomas W. The Life of Robert Fulton. New York: The Knickerbocker Press, 1900, p. 105.
(2) PINTO, Adolpho Augusto. História da Viação Pública de São Paulo. São Paulo: Typographia e Papelaria de Vanorden & Cia., 1903, p. 284.
(3) AURORA PAULISTANA, 24 de abril de 1852.
(4) ______________ Album de Vues du Brésil. Paris: A. Lahure, 1889. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 


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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Agostinho não gostava das lições de grego

As escolas do Império Romano não eram lugares agradáveis para crianças


Se suas Confissões não mentem, Aurelius Augustinus era um bom aluno nas aulas de latim, mas um verdadeiro desastre nas de grego. Não que lhe faltasse inteligência. Era preguiça, mesmo, conforme ele próprio, depois de adulto, assumiu. Como consequência, era brutalmente espancado pelos professores, que, aliás, contavam com o beneplácito dos pais. Era assim que as coisas funcionavam nas escolas do decadente mundo romano do Século IV depois de Cristo.
Ocorre que, naqueles dias, era consenso que saber grego fazia parte da formação indispensável a uma pessoa culta, especialmente se tivesse pretensões a uma carreira de letras, magistratura e/ou política. A despeito desse fato, e das torturas contínuas na escola, o guri não conseguia meter na cabeça uma palavrinha grega que fosse. O que lhe salvava a pele era o desempenho nas aulas de latim, pelas quais tinha um grande amor, em particular no que se relacionava às obras dos principais autores, como era, por exemplo, o caso de Virgílio. 
Aurelius Augustinus nasceu em Tagaste, situada no norte da África, e que fazia parte do mundo romano. Escola, naquele tempo, era um lugar de repetição e memorização (¹), resumindo-se a didática, como regra, ao número de pancadas que cada caso requeria. Ora, o jovenzinho gostava de brincar, coisa que reputamos normal nas crianças saudáveis, mas que pais e professores daqueles dias tenebrosos desaprovavam. Contraditórios, eles, diria Aurelius Augustinus, porque reprovavam nos filhos ou discípulos aquilo que aplaudiam nos profissionais que iam ver nos circos...
Não espanta, pois, que Augustinus desenvolvesse enorme aversão à escola. Como sua mãe era cristã (²), havia aprendido a fazer orações, de modo que pedia a Deus para não ser torturado nas aulas. Mas nada de estudar! Homem feito, reconheceria que tudo que havia de mais importante, como saber ler, escrever e fazer contas, aprendera naqueles terríveis anos, ainda que desaprovasse a "metodologia" dos que ensinavam. E acabaria professor, mas isso já é outra história. Nos séculos seguintes, viria a ser conhecido como Santo Agostinho.

(1) Espero que nenhum dos leitores tenha frequentado uma escola assim...
(2) Embora seu pai ainda não fosse.


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