quinta-feira, 16 de março de 2017

Como os antigos romanos interpretavam a aparição de cometas

Os que acreditavam em presságios
usavam a forma dos cometas como indício
para suas "previsões" (²)
Povos da Antiguidade - quase todos - tendiam a ver nos fenômenos celestes algum tipo de recado dos deuses. É fácil, hoje, lançar um olhar para seus registros e dizer que não passam de tolices; foram, no entanto, a origem, ainda que remota, de muita coisa a que chamamos ciência em nossos dias. É claro que foi preciso um longo tempo para separar fatos de crendices sem nenhuma base além da imaginação humana, em especial se considerarmos que quase tudo se fazia empiricamente, sem um método de investigação que pudesse assegurar a integridade dos resultados.
Romanos eram apaixonados por cometas, aos quais atribuíam virtudes premonitórias, às vezes como presságio favorável, mas, também, como aviso de tragédia. Plínio, o Velho, no Livro II de sua História Natural, relatou aparições notáveis de cometas "durante a guerra civil no consulado de Otávio, novamente durante a guerra entre Pompeu e César, ou em nosso tempo (¹) por ocasião do envenenamento que assegurou a sucessão do Império de Cláudio César para Domício Nero e, posteriormente, já durante o principado de Nero [um cometa] apareceu quase continuamente com um brilho pavoroso."
Ora, em se tratando de Nero, nem era preciso um evento celeste! Ainda de acordo com Plínio, era em Roma que estava o único templo no mundo consagrado ao culto de um cometa. Não é surpreendente, portanto, que os hábeis políticos romanos tratassem de tirar o melhor partido da crença popular na influência desses belos viajantes do espaço. Augusto (³), a quem hoje reconhecemos como o primeiro imperador, afirmou, segundo relato de Plínio:
"Nos dias de meus jogos (⁴) viu-se, ao norte, um cometa, que apareceu por sete dias. Era observável em toda parte, cerca de uma hora antes do pôr do sol, como uma brilhante estrela. Acreditou-se que essa estrela fosse a alma de César, recebida entre os numes imortais, e, por essa razão, uma estrela foi acrescentada ao busto de César que logo depois foi dedicado no fórum."
Entende-se, neste caso, que Augusto interpretou a aparição do cometa como um presságio favorável. Favorável até demais, já que, por informação de Plínio, sabemos que o futuro primeiro imperador dizia em público que o cometa seria a alma de César que brilhava entre os deuses, mas que, em particular, estava alegre com a suposição de que o objeto celeste, tendo aparecido durante os jogos que ele próprio convocara, vinha assegurar sucesso a seus projetos de poder. Se esta informação for correta, deve-se concluir que o imperador também acreditava piamente em presságios.
E Plínio (⁵), cujos escritos nos ajudam a bisbilhotar o que se passava na Antiga Roma? Acreditava, ele também, que os cometas traziam recados e avisos dos deuses? Para nossa sorte, nem precisamos fazer inferências, já que a História Natural traz a resposta dada por ele mesmo:
"Meu ponto de vista é de que esses eventos [aparição de cometas, meteoros, etc.] sucedem em datas fixas, sob o comando das forças naturais, como todos os outros fenômenos, ao contrário do que pensa o vulgo, sob uma variedade de razões imaginadas." (⁶) 
Excelente consideração para um estudioso da natureza que viveu no primeiro século da Era Cristã. Morreu em 79 d.C., sufocado por uma nuvem de gases provenientes da erupção do Vesúvio que destruiu Pompeia e Herculano. Nem é preciso dizer que tentava observar o fenômeno...

(1) No tempo dele!
(2) MALLET, Allain Manesson. Description de L'Univers. Paris: Denys Thierry, 1683. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(3) Otávio, ou Gaio Júlio César Otaviano, também chamado Augusto, o primeiro imperador em Roma.
(4) Depois do assassinato de Júlio César.
(5) Plínio, o Velho, foi uma das mentes mais brilhantes de seu tempo, capaz de reunir e catalogar uma quantidade absurda de informações, ainda que muitas delas, aos nossos olhos, não passem de lorotas cabeludas. Mas isso nós sabemos depois de milênios de estudo e pesquisa. 
(6) Os trechos citados de Naturalis Historia que aparecem nesta postagem foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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