terça-feira, 20 de junho de 2017

Senhores de engenho eram explorados por comerciantes de açúcar

Entre os motivos tradicionalmente apontados para o declínio em importância da produção açucareira colonial encontra-se a descoberta de jazidas auríferas, as "Gerais". Por causa da corrida às minas, o preço dos escravos passou por considerável elevação, a tal ponto que muitos senhores de engenho, pensando apenas no ganho imediato, vendiam seus cativos para negociantes que pretendiam fornecer mão de obra para as áreas em que se procurava ouro (¹). Além disso, como havia elevada demanda por alimentos para abastecer as regiões mineradoras, muitos senhores de engenho deixaram de cultivar cana, total ou parcialmente, usando as terras no plantio de gêneros que pudessem ser vendidos aos "mineiros" a peso de ouro (literalmente), já que os suprimentos precisavam ser transportados de lugares distantes e quase nada se cultivava junto às povoações que, do dia para a noite, surgiam em lugares de ricas jazidas. Pouca gente era sensata o suficiente para plantar alguma coisa quando o ouro era arrancado da terra com aparente facilidade (²).
Isso, porém, não era tudo. Epidemias (varíola e febre amarela, principalmente) dizimavam a população colonial, tanto de livres como de escravos. Por consequência, havia redução na mão de obra disponível para a lavoura e para o trabalho nos engenhos. O impacto era severo sobre a produção açucareira. 
Percebendo a fragilidade da situação dos proprietários de engenho, desesperados que estavam para vender o açúcar que conseguiam produzir (³), mercadores e mestres de navios entravam em acordo, de modo a forçar uma redução nos preços usuais - é o que se depreende de uma carta escrita pelo padre Antônio Viera ao Conde de Castelo Melhor:
"Fecharam-se este ano os mercadores em não querer comprar, e os mestres de navios em não querer carregar, para levarem de graça o que se não pode cultivar sem tão custosos instrumentos, como os das fábricas dos engenhos; e havendo leis e forcas para os outros ladrões e homicidas, só para estes que roubam e matam um Estado tão benemérito não há castigo." (⁴)
A carta, escrita na Bahia, onde Vieira passou seus últimos anos, tinha a data de 8 de julho de 1692. Embora a produção de açúcar estivesse longe de desaparecer, havia chegado o tempo de uma completa alteração no foco da economia colonial, que acabaria, inclusive, por resultar na mudança da capital brasileira para o Rio de Janeiro. O Reino queria ouro e, finalmente, as terras portuguesas na América começavam a enviar o tão sonhado metal.

(1) Nem mesmo proibições seguidas de ameaças severas obstavam essa prática.
(2) As técnicas de extração aurífera empregadas no Brasil Colonial eram bastante primitivas. Muita terra rica em ouro se perdia, e apenas jazidas mais ou menos superficiais podiam ser exploradas.
(3) Os proprietários de engenhos, apontados como topo da pirâmide social nos tempos coloniais, estavam às vezes tão endividados que temiam perder tudo o que tinham, em particular após alguns anos de safras ruins, acompanhadas por perda de escravos em razão de alguma doença.
(4) VIEIRA, Pe. Antônio S. J.  Cartas vol. 2. Lisboa Ocidental: Oficina da Congregação do Oratório, 1735, p. 442.


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