terça-feira, 11 de julho de 2017

Executados em efígie

Quando um sentenciado à morte não estava preso e não podia ser capturado, era executado em efígie (¹). O que acontecia era uma encenação da execução (como, por exemplo, no caso de um boneco ser queimado em um auto de fé), e o indivíduo era declarado legalmente morto, inclusive com documentação comprobatória, de que se seguiam todos os efeitos legais. Esse morto-vivo ou vivo-morto que escapulira da Justiça não tinha mais direito algum e, ainda que continuasse a viver biologicamente, era considerado morto, para a família e para a sociedade.
Estranho? Talvez, mas não exatamente incomum. Dos três condenados à morte pela Revolta de Beckman no Maranhão em 1684 - Manuel Beckman, Jorge de Sampaio e Francisco Dias de Eiró - um deles, o último, foi executado em efígie; os outros dois morreram "de verdade", quer dizer, foram enforcados. Conforme registrou Berredo, "condenados todos a morte natural, com Francisco Dias de Eiró [...], neste se executou só em estátua, porque soube cuidar na salvação da vida, que perderam no infame patíbulo, por tão justa sentença, Jorge de Sampaio e Manuel Beckman [...]." (²) Sabe-se também que, dos responsabilizados pela entrega da cidade do Rio de Janeiro a invasores franceses em 1711, ao menos um foi executado em efígie: foi Antônio Soares, a quem competia o comando na fortaleza de São João. 
Não me perguntem, leitores, se havia alguma vantagem em fugir de uma sentença de morte e continuar a viver, a despeito da execução em efígie. Cabe apenas a conjectura de que, num território tão vasto como o Brasil, alguém, nessa situação, podia perfeitamente desaparecer das vistas dos conhecidos, indo passar o resto de seus dias (com outro nome) em algum lugar distante, sem que ninguém desconfiasse de sua verdadeira identidade. Na Europa da época, no entanto, a situação seria muito mais complicada.

Uma execução "de verdade": enforcamento de conspiradores (³)

(1) Ou "em estátua" - é a mesma coisa.
(2) BERREDO, Bernardo Pereira de. Annaes Históricos do Estado do Maranhão. Lisboa: Officina de Francisco Luiz Ameno, 1749, p. 624.
(3) A.P.D.G. Sketches of Portuguese Life. London: Geo. B. Whittaker, 1826. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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