terça-feira, 3 de outubro de 2017

Como indígenas tentavam evitar a aproximação de onças



Há alguns anos, uma pessoa idosa contou-me que, quando criança, ouvia o miado de onças, à noite, ao ir para casa em companhia do pai, em uma fazenda nos arredores de Campinas - SP. Isso aconteceu, se a informação for verdadeira, lá pelos anos vinte ou começo dos trinta do século passado. De qualquer modo, não deve ser coisa impossível. Afinal, nos últimos meses têm-se multiplicado as notícias da aparição de onças em áreas habitadas, perto, mesmo, de grandes centros urbanos. Alega-se que isso anda a ocorrer como consequência da destruição do habitat tanto da onça-pintada (Panthera onca) como da onça-parda (Puma concolor). Com dificuldade para encontrar alimento, alguns espécimes se aventuram junto às cidades.
As onças já foram responsáveis por amedrontar viajantes que ousavam pôr o pé no interior ainda pouco explorado do Brasil. Eram consideradas mais perigosas à noite, em razão de, por seus hábitos de caça, preferirem as horas escuras para um ataque às presas potenciais. Na década de 60 do Século XIX, quando viajar pela Província de Goiás significava, muitas vezes, ter de acampar à noite, Couto de Magalhães assim descreveu a aproximação de onças:
"À noite as onças, das quais tínhamos visto alguns estragos durante o dia, vieram urrar em torno de nosso acampamento, e uma delas tão perto que se distinguia o chiar de uma espécie de pigarro, cuja presença se nota quando urram a pequena distância; além, porém, da desagradável impressão que nos produziram, nenhum outro dano sofremos, à exceção do esparrame de nossos animais." (¹)
Emocionante, não é, leitores?!!!
É certo que o grupo liderado por Couto de Magalhães dispunha de boas armas de fogo, para o caso de alguma emergência. Indígenas dos tempos coloniais não tinham o mesmo recurso e, de acordo com Yves d'Évreux (²), acendiam fogueiras porque acreditavam que, assim, poderiam manter os poderosos felinos à distância:
"Têm [as onças] muito medo de fogo, a ponto de não se aproximarem dele, e por isso evitam-nas os índios acendendo fogueiras em suas casas, sempre abertas, quer de dia, quer de noite." (³)
Não me perguntem, leitores, até que ponto as fogueiras seriam eficazes - nunca fiz a experiência. É certo, porém, que indígenas tinham grande habilidade em lidar com o ambiente no qual viviam. Suas fogueiras eram úteis para aquecer moradias em lugares e estações frias, mantinham alguma iluminação durante a noite e serviam para afastar os incômodos mosquitos. Talvez ajudassem a manter, também, algum respeito por parte das onças.

(1) MAGALHÃES, José Vieira Couto de. Viagem ao Rio Araguaia. Goiás: Tipografia Provincial, 1864, pp. 212 e 213.
(2) Missionário capuchinho francês que esteve no Maranhão entre 1613 e 1614.
(3) D'ÉVREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614. Maranhão: Typ. do Frias, 1874, p. 174.


Veja também:

2 comentários:

  1. O fogo sempre foi amparo dos simples. Quando o havia.
    (Gosto muito das suas narrativas históricas, Marta)

    Abraço :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Foi e é, e não só dos simples. Por mais que haja lareiras elétricas excelentes, como negar o charme de uma lareira "de verdade" no inverno?

      Tenha uma ótima semana!

      Excluir

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.