terça-feira, 7 de novembro de 2017

Donatários de Capitanias Hereditárias tinham autoridade para condenar à morte

Os donatários de capitanias hereditárias tinham direitos e poderes enormes - exagerados, até. Dentre os direitos, cabia a cada capitão-donatário transferir a capitania como herança ao filho mais velho, ficar com a décima parte dos quintos reais arrecadados do ouro e pedras preciosas descobertos, criar vilas e nomear os funcionários encarregados da administração dos assuntos públicos, doar sesmarias, impor trabalho compulsório a indígenas (com algumas restrições) e reter para si a décima parte dos dízimos arrecadados. Não era pouco.
Havia, ainda, vários outros direitos, dentre os quais examinaremos um, assim expresso na Carta de Doação e Foral de concessão da Capitania de São Vicente a Martim Afonso de Sousa:
"Nos casos-crimes hei por bem (*) que o dito capitão e governador e seu ouvidor tenham jurisdição e alçada de morte natural em escravos e gentios, e assim mesmo em peões cristãos e homens livres, em todos os casos, para absolver como para condenar, sem haver apelação nem agravo." 
Como não vigorava o conceito de igualdade diante da lei, o capitão-donatário concentrava em si um enorme poder, restrito, porém, aos escravos e gente livre de posição social inferior, uma vez que para "pessoas de maior qualidade" as punições seriam mais brandas:
"Nas pessoas de maior qualidade terá alçada [o donatário] de dez anos de degredo, e até cem cruzados de pena, sem apelação nem agravo."
Havia, no entanto, quatro casos, considerados gravíssimos pelo monarca português, para os quais o donatário poderia atribuir até pena de morte, ainda que o acusado fosse um fidalgo:
"Nos quatro casos seguintes - heresia, quando o herético lhe for entregue pelo eclesiástico, traição, sodomia e moeda falsa - terão alçada em toda a pessoa de qualquer qualidade que seja para condenar os culpados à morte, e dar suas sentenças à execução sem apelação nem agravo [...]."
Mesmo com tantos direitos para os donatários e seus sucessores, o sistema de capitanias hereditárias teve resultados excessivamente modestos, e a criação do Governo-Geral em 1548 levou à supressão de vários dos antigos poderes. Os donatários até esboçaram um protesto - inútil - contra a decisão de D. João III, já que a Coroa, consciente de que, ou assumia o controle ou perdia as terras na América, buscava chamar a si as responsabilidades do governo. A distância e consequentes dificuldades de comunicação seriam, porém, um entrave severo à boa governança colonial.

(*) É o rei quem fala.


Veja também:

2 comentários:

  1. Refere-se, com toda a certeza, ao princípio da colonização, em que, aos olhos de quem concedia tais poderes, um esboço de lei era melhor que coisa nenhuma.
    Escusado será comentar o excesso de poder de tais criaturas, escusado será referir o quanto ignoravam as tradições e os hábitos de quem já lá estava quando "os barbudos" chegaram. Ao fim e ao cabo, desgraças da "missão civilizacional e evangelizadora".

    Abraço, Marta :)

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    1. A questão é que muitos donatários de Capitanias Hereditárias sequer vieram ao Brasil. Na ausência do donatário, quem mandava era o capitão-mor, que nem sempre era estritamente obedecido. Na Capitania de São Vicente, por exemplo, a autoridade do capitão-mor era frequentemente questionada, o que obrigava a dita figura a negociar com os colonizadores, para não pôr a cabeça em risco...

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