terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Atividade industrial no Brasil por volta de 1870

O panorama das atividades econômicas no Brasil era, por volta de 1870, de predomínio absoluto da agricultura. Esta, por sua vez, dividia-se em monocultura de exportação (com ênfase na produção de café), e policultura para consumo local. Grandes cafeicultores, empenhados em controlar a política econômica do Império, detinham as melhores terras e tratavam de obter todo o favorecimento para os seus interesses. Assim, a produção de alimentos para a população acabava em segundo plano, e, em consequência da falta de estradas e meios convenientes de transporte, nem sempre chegava aos consumidores. Resultado: notava-se a escassez de alimentos frescos até mesmo no Rio de Janeiro.
À vista do que foi dito, os leitores já podem imaginar as dificuldades impostas a quem se aventurava em alguma atividade industrial. Políticos insistiam na "vocação agrícola" do Brasil (¹), e essa ideia era repetida, sem muita reflexão, como se fosse verdade incontestável. Parecendo concordar, mas já discordando, o Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro Para o Ano de 1871 dizia:
"Suposto essencialmente agrícola, o Brasil já começa a entrar no período industrial que por toda a parte sucede à formação dos grandes núcleos de população, de hábitos e costumes avessos aos pesados trabalhos rurais [sic]. (²)
[...]. Convém animar, por meios indiretos (³), esse pendor, preparando-se elementos para a vida industrial, não menos útil e proveitosa que a vida agrícola." (⁴)
A mesma fonte listava, em seguida, os artigos em que a produção industrial da época obtinha algum sucesso:
"A grande indústria manufatureira, limitada na atualidade à fabricação de panos grossos de algodão, tem prosperado em algumas províncias, em cujos mercados sustentam seus produtos, embora de preço mais elevado, vantajosa concorrência com os similares, importados da Europa e dos Estados Unidos.
As fábricas de tecidos estabelecidas nas províncias de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Alagoas e outras ainda não fornecem quanto há mister o consumo nacional. [...].
A fabricação de cerveja, tabaco ou rapé, de chapéus, calçados e outros objetos vai também tomando incremento proporcionalmente grande [...]." (⁵)
Não deixa de ser intrigante que fosse possível aos fabricantes de algodão uma "vantajosa concorrência com os similares", admitindo que os preços praticados eram mais altos que os dos tecidos importados, e a produção, insuficiente. Mas, sendo certo que país nenhum se abastece apenas de tecidos rústicos de algodão, cerveja, tabaco, chapéus, calçados e uns poucos artigos não listados pelo Almanaque (sabão e móveis simples, por exemplo), os leitores não terão dificuldade em deduzir que, para suprimento de tudo o mais, recorria-se à importação. Então, se as exportações eram essencialmente de origem agrícola e extrativista, importando-se produtos industrializados, não será preciso algum esforço mental hercúleo para perceber o quanto a balança comercial do Império era prejudicada. Unindo-se a vários outros fatores, as questões econômicas tiveram seu papel no encaminhamento da substituição do governo monárquico pelo republicano em novembro de 1889.

(1) Há quem argumente nesse sentido até hoje. 
(2) A industrialização do Brasil ocorreu, mas por razões muito diferentes dessa. Levem em consideração, leitores, que, em 1871, o grande debate estava relacionado ao fim da escravidão, levantando a pergunta: Quem irá trabalhar na lavoura em lugar dos escravos?
(3) "Meios indiretos" - quais seriam?
(4) HARING, Carlos Guilherme. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro Para o Ano de 1871/ Suplemento. Rio de Janeiro: E & H Laemmert, 1871, p. 60.
(5) Ibid.


Veja também:

2 comentários:

  1. Parece-me que o Brasil dessa altura estava mais focado em discutir direitos e privilégios que em olhar para o mundo que o circundava. Tudo parecia longe, mas o que dava azo ao poder estava mesmo ali. Vistas curtas?

    Abraço, Marta :)

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    1. Por volta de 1870 - a época a que esta postagem se refere - o Brasil estava terminando a chamada "Guerra do Paraguai", e duas grandes questões ganhavam força no cenário político: a abolição da escravatura e o movimento republicano. No plano econômico, um único produto agrícola, o café, dominava a pauta de exportações. O incipiente mercado interno não ensejava grandes projetos de industrialização, sendo a demanda, em grande parte, atendida mediante importações. Não era, mesmo, um panorama dos mais favoráveis. E, sim, faltava a uma parte das lideranças políticas e econômicas uma visão que rompesse com mesquinhos interesses pessoais. Circunstâncias geradas pela situação econômica internacional favoreceriam, porém, algumas mudanças graduais, ao longo das primeiras décadas do Século XX.

      Um grande abraço, tenha um ótimo final de semana!

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