terça-feira, 2 de janeiro de 2018

A bagagem de dois missionários jesuítas que pretendiam catequizar indígenas no Ceará e no Maranhão

O Século XVII está no começo. Dois jesuítas, Francisco Pinto e Luís Figueira, saindo do Colégio de Pernambuco, iniciam uma longa caminhada com o propósito de estabelecer uma missão entre indígenas no Maranhão. 
Não vão sozinhos: têm a companhia de alguns índios, já catequizados, que auxiliam no contato com grupos indígenas. Além disso, ajudam a transportar a bagagem dos dois padres. Como somos curiosos, leitores, iremos bisbilhotar o que é que carregam. Como? Há um relato interessante, feito pelo padre José de Moraes em A Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará:
"Caminhavam a pé, sem mais vitualhas que o altar portátil que levavam dois índios, algum vinho, hóstias, cera e uma pouca de farinha de pau (¹), usual sustento da terra, repartida pelas mochilas dos companheiros; sem mais outra vianda que o peixe e caranguejos, que a diligência dos índios encontrava por aquelas praias. Usavam de umas roupetas curtas para lhes ficarem mais desembaraçados os passos [...]; mas porque os charcos, pedras e lodos por onde precisamente haviam de passar eram muitos, consumidos logo nos primeiros dias os sapatos, se viram obrigados a caminhar descalços." (²)
A obra de José de Moraes somente foi escrita uns cento e cinquenta anos depois da missão de Francisco Pinto e Luís Figueira (³). Sabe-se de seu acesso a uma variedade de documentos, mas, conforme ele próprio explicou, em alguns casos seus relatos tiveram por fundamento a tradição, apenas. Apesar disso, podemos estar certos de que, ao empreenderem a viagem, os dois padres a que nos referimos entraram em um rumo de todo desconhecido para eles. Confiavam, pois, na lealdade e experiência dos indígenas já catequizados que tomavam por guias. Para a alimentação, esperavam achar pesca e alguma caça, a fim de complementar a magra dieta de farinha de mandioca. Na bagagem listada por José de Moraes, destacam-se os itens de uso religioso, a começar pela existência de um altar portátil. O mesmo autor, tratando de outras missões de catequese, faria referência ao uso de um móvel semelhante, o que nos leva à conclusão de que seu emprego era prática comum na época. 
Não foi dessa vez, no entanto, que uma missão de jesuítas foi estabelecida no Maranhão. Ao chegar à Serra de Ibiapaba, a pequena caravana foi atacada por tapuias. Francisco Pinto foi morto, assim como alguns dos índios catequizados. Luís Figueira escapou, escondendo-se no mato. Depois de sepultar o companheiro, retornou a Pernambuco. Anos mais tarde, após a expulsão dos franceses do Maranhão, foi mandado a São Luís, onde uma nova luta o aguardava, não contra grupos indígenas que rejeitavam a catequese, mas contra os colonizadores que viam em cada ameríndio um escravo em potencial.

(2) MORAES, José de S.J. História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará. Rio de Janeiro: Typographia do Commercio, 1860, p. 30.
(3) A primeira edição foi publicada em 1759, mesmo ano em que o autor foi deportado para o Reino, no contexto das restrições e posterior extinção da Companhia de Jesus.


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6 comentários:

  1. Grande deveria ser a fé desses homens, ao incumbirem-se de tal missão. Acreditavam na recompensa divina, com toda a certeza.
    A propósito, Marta, por onde anda a fé, nos tempos que decorrem?

    Um bom ano!

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  2. Por onde anda a fé? "εν ταχει πλην ο υιος του αντρωπου ελθων αρα ευρησει την πιστιν επι της γης..." rsrsrsrsssssss

    Que você e sua família tenham um ano maravilhoso!!!

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  3. Respostas
    1. Haha, é porque não é minha, tem quase dois mil anos... rsrsrssss

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  4. Gostaria de um botão de teletransporte apenas para espreitar esses trajes curtos a que o autor faz referência (a natureza humana é tão bisbilhoteira). Brancos, ainda que jesuítas habituados à falta de conforto, sem sapatos... nem sei como chegaram ao destino!!

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    1. Não chegaram: um deles foi morto por indígenas, enquanto ao outro só restou a alternativa de retornar sem ter concluído a missão inicialmente proposta e que, mais tarde, seria retomada.

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