terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Fogões a lenha

"Às nove horas da noite apaguei eu a candeia, e não havia no fogão nem uma brasa: o fogo foi maléfico..."
Joaquim Manuel de Macedo, As Mulheres de Mantilha

Aterrorizados pelo alarido de um burro, de um cachorro, de um gato e de um galo, ladrões fogem, a toda pressa, da casa em que se banqueteavam. Melhor para os animais, que se deliciam com uma esplêndida refeição. Uma vez satisfeitos, apagam as luminárias, e cada um trata de encontrar um bom recanto para dormir, ficando a casa em completo silêncio e às escuras.
Tarde da noite, um dos ladrões retorna. Percebe uma tímida faísca junto ao fogão, e, supondo ser uma brasa ainda viva, se aproxima, pensando em acender um pequeno facho. Mas, ai! É brutalmente arranhado pelo gato, que se encarapitara sobre o fogão. Não havia, naturalmente, brasa alguma, somente o brilho dos olhinhos vigilantes do felino. Em meio à escuridão, o meliante só pensa em fugir, não sem antes receber uma mordida do cão, estacado junto à porta, e, já do lado de fora, um coice do burro e uma valente bicada do galo.
A esta altura os leitores já sabem, suponho, que falo de Die Bremer Stadtmusikanten, um conto dos Irmãos Grimm que está por completar duzentos anos. Eu, quando era criança, amava ouvir contar essa história, mas hoje, aqui no blog, ela nos serve para mostrar que a singela brasa de um fogão a lenha ou a carvão pode ter muita importância. Então, amigos, sorrindo ou zangados, prossigam a leitura, sim? 
Forno de barro (²)
Até bem adiantado o Século XIX, a maioria das casas no Brasil tinha um grande fogão a lenha, construído em um canto da cozinha. Quem, estando fora, olhasse a chaminé, já sabia, pela fumaça, se havia comida em preparo. Panelas e tachos enormes, pesadões, enegrecidos pela fuligem no correr dos anos, eram usados para cozer lentamente os alimentos. Por essa característica do cozimento lento é que há, ainda hoje, muita gente que não hesita em afirmar que a melhor comida vem dos fogões a lenha (¹). Talvez seja mesmo só uma questão de gosto pessoal, mas é fato que em diversas tradições culinárias, distanciadas entre si no tempo e/ou no espaço, há especialidades cujo preparo é melhor em fogo moderado, demandando várias horas para o perfeito cozimento - como nos vetustos fogões a lenha. 
As cozinhas das casas-grandes coloniais ou das fazendas de café do Século XIX eram lugares movimentados, quentes no verão, é verdade, mas acolhedores no inverno e dias chuvosos. Escravas trabalhavam sob a supervisão de uma cozinheira experiente, e mesmo as senhoras não se furtavam a dar palpites. Na rotina diária, era preciso remover as cinzas, e escravos deviam rachar lenha para assegurar que o fogão estaria sempre em plena atividade. Imagine-se, pois, como seria o corre-corre na cozinha de uma fazenda, em ocasiões festivas como o Natal ou um casamento!...


Um fogão a lenha especial


Fogão a lenha do Catetinho (³)
O fogão da foto ao lado pode ser visto no Catetinho: hoje um museu, o Catetinho foi, na segunda metade da década de 50 do Século XX, a residência provisória usada pelo presidente Juscelino Kubitschek, sempre que vinha acompanhar a construção de Brasília. É óbvio que nada obstava a existência de um fogão mais moderno no local, mas quem visita o museu é informado de que o presidente era apreciador da comida feita em fogões a lenha. Para atendê-lo é que este ilustre exemplar foi construído.

(1) Folclore ou não, essa preferência sustenta a fama de muitos restaurantes que preparam comida "como na fazenda". Em lugares remotos no interior do Brasil os fogões a lenha não são, ainda hoje, de todo incomuns, mesmo em residências.
(2) Pertence ao acervo do Museu Histórico e Geográfico de Monte Sião - MG.
(3) Este fogão a lenha pertence ao acervo do Museu do Catetinho (Brasília - DF).


Veja também:

2 comentários:

  1. Simpatizo com fogões a lenha, acho que dão uma ambiência muito adequada ao ser humano.
    É curioso referir que Juscelino Kubitschek esteve por aqui, no sítio onde vivo - Fundão - nos anos 60 do século passado. Claro que não é da minha lembrança. :)

    Abraço

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