quinta-feira, 10 de maio de 2018

Quanto durava a gestação de um bebê espartano

Não inventei esta história, foi Heródoto (¹) quem a contou. Havia um espartano de nome Demarato, filho de Aríston, diarca entre os lacedemônios. Morto o pai, surgiu na cidade uma disputa quanto à verdadeira paternidade de Demarato. A razão para a dúvida era esta: na ocasião em que Aríston, estando em reunião com os éforos, recebera a notícia de que sua terceira mulher acabara de trazer ao mundo um menino, fizera com os dedos algumas contas e, espantado, afirmara: "Por Zeus, esse menino não pode ser meu filho!..."
Ora, o jovem Demarato, angustiado com a fofoca de que era alvo, foi ter uma conversa séria com a mãe, exigindo dela toda a verdade quanto ao seu nascimento (²). Veio, portanto, esta claríssima explicação:
"Os que dizem que és ilegítimo se apoiam na afirmação de teu pai diante de vários homens, de que não podias ser seu filho, pois ainda não se haviam passado dez meses; ele, porém, disse isso porque desconhecia o que de fato acontece, porque algumas mulheres dão à luz depois de nove, outras depois de sete meses, nem sempre esperando que se completem dez, e eu mesma te trouxe ao mundo com sete meses. Aríston [teu pai], pouco depois, percebeu seu desconhecimento do assunto." (³)
A plateia tem licença para rir! E não venham dizer que Heródoto talvez estivesse aproveitando a ocasião para zombar dos espartanos. Vejam, agora, o que escreveu Plínio (⁴), que é considerado o grande enciclopedista da Antiguidade e um dos maiores gênios do mundo romano:
"Os animais têm tempo certo para gerar e parir filhotes, mas os humanos geram filhos o ano todo, e a gestação é variável, excedendo em alguns casos os seis meses, ou sete, ou quase onze [...]." (⁵)
Poderíamos, leitores, lembrar que a aquisição de conhecimentos na Antiguidade era fruto da observação (quase sempre), mas sem a sistematização de um método verdadeiramente científico, ao menos para nossos padrões. Também seria possível alegar a segregação das mulheres da época como justificativa para o desconhecimento masculino quanto àquilo que a elas se relacionava, mas isso não explica satisfatoriamente por que as próprias mulheres achariam normal que uma gestação durasse dez ou onze meses. Finalmente, esses erros, que hoje soam grotescos, não devem ser atribuídos a pequenas variações existentes entre calendários. O saber era e é dinâmico. Abandonar erros do passado, mesmo quando provenientes de fontes respeitáveis, foi essencial para que a humanidade progredisse. Como se sabe, nada disso se fez sem despertar severa oposição.

(1) Século V a.C.
(2) Além do tempo de gestação, a própria concepção de Demarato estaria cercada de mistérios. Perguntem a Heródoto...
(3) Heródoto, Histórias
(4) 23 - 79 d.C.
(5) Naturalis Historia, Livro VII.
Os trechos citados de Histórias de Heródoto e de Naturalis Historia de Plínio foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


Veja também:

2 comentários:

  1. Um pai é um pai, que não haja dúvidas disso. Ao criar-se a desconfiança - por ignorância, ou não - o prestígio da personagem era colocado em causa, normalmente por sussurros. Mas era o suficiente para arrasar todo e qualquer prestígio do "macho alfa".

    Abraço, Marta :)

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    Respostas
    1. Tanto mais neste caso de que trato no post, não é? rsrsrssssssss...

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