quarta-feira, 24 de abril de 2013

Formigas, mosquitos, piolhos e outros bichos

Já tratei neste blog do medo que tinham os colonizadores tanto de grandes felinos quanto das serpentes que encontravam no Brasil. Ocorre que, quase tão temidos quando e, talvez até mais odiados, havia insetos que tornavam difícil a vida dos europeus que se aventuravam em busca da sobrevivência na Colônia.
É só uma formiguinha...
Ainda no século XVI, Pero de Magalhães Gândavo observou:
"Toda esta terra do Brasil é coberta de formigas pequenas e grandes, estas fazem algum dano às parreiras dos moradores, e às laranjeiras que têm nos quintais; e se não foram estas formigas houvera porventura muitas vinhas no Brasil ainda que lá são pouco necessárias porque deste Reino vai tanto vinho que sempre a terra dele está provida. Também há muita infinidade de mosquitos, principalmente ao longo de algum rio entre umas árvores que se chamam mangues, não pode nenhuma pessoa esperá-los; e pelo mato quando não há viração são muito sobejos e perseguem muito a gente." (¹)
Deixando de lado essa história da quantidade de vinho que vinha ao Brasil (!), deve-se notar que, em alguns casos, os insetos, além das incômodas picadas, eram transmissores de doenças que, pouco conhecidas dos europeus, causavam estragos entre a população, mesmo porque as práticas médicas da época não eram muito eficazes.
Vale recordar: Gândavo dizia escrever para estimular a vinda de colonos ao Brasil...
Duzentos e tantos anos depois, o Padre Ayres de Casal, louvando as virtudes da cidade de Belém (Pará), observou: "Há poucos dos insetos que se introduzem no corpo humano." (²)
Para os leitores que já sentem coçar até o cérebro, só resta dizer que havemos de prosseguir. Sim, piolhos, foi deles que falou Saint-Hilaire em sua Segunda Viagem a São Paulo, datada de época próxima à da Independência. O trecho refere-se ao Vale do Paraíba:
"Paramos no sítio de um agricultor que nos permitiu, muito delicadamente, pousássemos em sua casa. Está coberta de telhas, é a melhor que vimos depois de Jacareí. Entretanto, veste-se seu dono, tal qual os demais roceiros: camisa e calção de algodão. Não parece mais inteligente e ativo do que o resto de seus compatriotas, e enquanto conversava comigo catava piolhos à cabeça e matava-os sem cerimônia.
Em nenhuma outra parte do Brasil tal sevandija é tão frequente quanto aqui. As crianças e mulheres têm a cabeça cheia. Veem-se umas e outras a matarem reciprocamente os piolhos, tranquilamente sentadas à soleira das portas e não pensando em interromper tal ocupação quando os transeuntes as encaram." (³)
Saint-Hilaire não percorreu todo o Brasil, portanto essa observação de que havia ali mais piolhos que em outros lugares somente poderia valer para as regiões que visitou. Mas vamos logo terminar, que o que se tem até aqui já é de provocar calafrios.
Outro viajante, Hércules Florence, desenhista da Expedição Langsdorff (1825 - 1829), anotou em seu diário, como parte do relatório sobre o encontro com índios apiacás, na região do rio Juruena:
"Como nós, tinha aquela pobre gente o rosto, as mãos e os pés, não só pintados de picadas de piuns (inseto alado também chamado mosquito-pólvora, porque em tamanho não excede o de um grão de pólvora), senão também cobertos de feridas provenientes dessas ferroadas. Mais fazem sofrer outros insetos também alados, mas de maior tamanho, os borrachudos, porque a parte do corpo tocada inflama-se logo, sobrevindo tal prurido que é de coçar-se até verter sangue. Vieram-nos martirizando desde o rio Preto.
Por toda a parte víamo-nos cercados de nuvens desses malfazejos bichinhos, entrando-nos pelos olhos, nariz, orelhas e boca, nas horas de refeição. Malgrado o excessivo calor, cobríamo-nos todos, e ainda assim era preciso estar agitando o dia inteiro um pano ou um espanador de penas para afugentá-los. Com a noite desaparecem, mas voltam, mal raia a madrugada, para recomeçarem a diabólica tarefa.
Por vezes causaram-nos essa praga e a febre acessos de raiva e recriminações inconvenientes." (⁴)
Nem era preciso dizer, não é mesmo? Imprecações, neste caso, eram compreensíveis e mais que perdoáveis. E depois ainda há quem imagine tais expedições como aventuras românticas!

(1) GÂNDAVO, Pero de. Magalhães Tratado da Terra do Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2008, p. 72.
(2) CASAL, Manuel Ayres de. Corografia Brasílica, vol. 2. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1817, p. 299.
(3) SAINT-HILAIRE, A. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 96.
(4) FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007, pp. 225 e 226.


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