quarta-feira, 25 de novembro de 2015

As fazendas de café do Vale do Paraíba e os feudos medievais

Ao descrever as fazendas de café que visitou entre 1860 e 1861, Augusto-Emílio Zaluar fez uma observação muito interessante, que sugere algumas considerações:
"Os grandes proprietários de terrenos, deixando de frequentar os povoados, e reconcentrando-se em suas fazendas, que são os verdadeiros castelos feudais do nosso tempo, fazem convergir aí toda a vida, que reflui das povoações para essas moradas ostentosas onde muitas vezes o luxo e a riqueza disputam a primazia à magnificência dos palácios da capital." (¹)
Zaluar não estava propondo nenhuma interpretação político-econômica das fazendas de café do Vale do Paraíba como um tipo de feudalismo no Brasil. O feudalismo, antes de mais nada, caracterizou-se pela descentralização política, coisa que de modo algum ocorria no Brasil - a centralização era até exagerada e havia um governo constitucional em que a figura do imperador não era irrelevante. O que Augusto-Emílio Zaluar notou em suas viagens é que, em alguns aspectos, o estilo de vida nas fazendas é que recordava um pouco o feudalismo. 
Sim, leitores, pode até ser redundância, mas não custa lembrar que a vida dos fazendeiros e suas famílias era essencialmente rural, exceto por alguma rara viagem à Corte ou pelas idas à povoação mais próxima para festas religiosas importantes. As escassas visitas entre fazendeiros e suas famílias, em ocasiões especiais, davam motivo a grandes celebrações. Além disso, dentro da fazenda a autoridade era, salvo alguma exceção, concentrada na figura do fazendeiro cafeicultor, que, em muitos casos, era detentor de um título nobiliárquico do Império (era o "barão fulano", "visconde sicrano", etc.). A vida diária era pautada por um conservadorismo extremo e o próprio Zaluar notou que, em algumas fazendas, as mulheres ainda viviam reclusas e só apareciam em público cobertas por mantilhas. Observem os leitores que isso sucedia quando o Século XIX já passara da metade. 
É também verdade que muitas fazendas produziam quase tudo o que nelas se consumia, com exclusão de sal ou de algum artigo de luxo. O desenvolvimento das técnicas agrícolas não era prioridade, o que se constituiu, aliás, em um dos fatores para o declínio da agricultura cafeeira no Vale do Paraíba. 
Por outro lado, nenhum fazendeiro tinha exército próprio, não estava autorizado a cobrar pedágio e não doava terras para estabelecer uma relação de suserania e vassalagem (²). Acrescente-se ainda que a maior parte do trabalho nas fazendas do Império do Brasil, no Vale do Paraíba ou fora dede, era feito por mão de obra escrava, enquanto que no feudalismo vigorava a servidão, o que significava, na prática, que os trabalhadores, cuja condição era compulsória e hereditária, não podiam, apesar disso, ser comprados e/ou vendidos. Servos não eram mercadoria. Escravos, sim. 
Muito diferente foi a situação nascida a partir da expansão da lavoura cafeeira no Oeste Paulista: houve desenvolvimento da urbanização e dos transportes (³), fazendeiros tinham belas casas nas cidades, viajavam com certa frequência à Europa, adotavam um estilo de vida compatível com seu status social e faziam questão de que os filhos, ao menos os do sexo masculino, estudassem. 
Haveria alguma semelhança entre a lavoura cafeeira do Vale do Paraíba e a do Oeste Paulista? Sim, leitores havia: em ambos os casos a produção era voltada aos interesses do mercado externo (muito diferente, portanto, do que acontecia nos feudos medievais). A cotação internacional do café era determinante para a prosperidade ou a bancarrota dos fazendeiros. Interessava também a quem administrava a economia do País, que mantinha a tradição de dependência das exportações de um só produto. Na segunda metade do Século XIX a pauta de exportações do Brasil era bastante diversificada, mas, em termos de quantidade, o café era mais importante que todos os demais itens, daí resultando um elevado grau de dependência, cuja ruptura, vista por muitos como necessária, parecia, no entanto, quase impossível. 

(1) ZALUAR, Augusto-Emílio. Peregrinação Pela Província de São Paulo 1860 - 1861. Rio de Janeiro/Paris: Garnier, 1862, p. 55.
(2) Mais tarde, nos primeiros tempos da República, com a suposta universalidade do voto para indivíduos do sexo masculino, muitos fazendeiros que admitiam trabalhadores livres vivendo como agregados em suas terras não hesitavam em fazê-los votar nos candidatos de sua preferência, mas seria pouco razoável comparar práticas de manipulação eleitoral com as relações de suserania e vassalagem que estabeleciam a obrigação de assistência recíproca em caso de guerra.
(3) Para as condições da época, a expansão da malha ferroviária foi notável. 


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